Argentina não é solução: questões internas impedem Brasil de reduzir preço do gás, diz analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que o acordo firmado pelo Brasil com a Argentina para importação de gás natural não é suficiente para reduzir o preço do combustível no país, por esbarrar em problemas de ordem interna.
Meses depois de acordar com a Argentina a exploração conjunta dos recursos naturais na reserva de Vaca Muerta, o Brasil ainda enfrenta dificuldades de ordem interna com os preços do gás natural.
Recentemente, durante seminário sobre a integração gasífera na América do Sul, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que "de nada adianta trazer gás a preço competitivo da Argentina ou da Bolívia, se ele volta a encarecer ao entrar no país".
"As tarifas de transporte e distribuição estão na nossa mira. Temos o compromisso do governador Eduardo Leite de avançarmos de forma conjunta na redução das tarifas de distribuição", afirmou o ministro.
Ele também chamou a Petrobras para a conversa, destacando o seu papel no processo de redução dos custos das tarifas.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Luciano Losekann, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Grupo de Energia e Regulação (Gener), aponta que o gás argentino é uma oportunidade, mas nunca seria um gás muito competitivo, capaz de modificar a situação da indústria do gás brasileiro.
"Porque o gás argentino, para chegar no Brasil, ele tem que ir até a Bolívia e entrar pelo Gasbol [Gasoduto Bolívia-Brasil] para o Brasil. E se a gente considerar todo esse trajeto e todo o pagamento da tarifa de transporte, o gás chega a um preço elevado nos mercados do sudeste", explica.
Ele acrescenta que o acordo firmado pelo Brasil com a Argentina para importar gás natural da reserva de Vaca Muerta foi apresentado como "uma solução muito favorável" para reduzir os preços dos combustíveis, mas não deve "mudar a realidade de competitividade da indústria".
"A gente sabe que é um projeto mais de longo prazo, então para viabilizar um projeto desse tipo, se a gente pensar em situações parecidas, de projetos de comércio internacional, de energia, até se viabilizar um modelo de negócio, demora, ainda mais que envolve também um terceiro país, que no caso é a Bolívia. Então tem bastante coisa para acertar e no caso bastante custo."
Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o acordo de Vaca Muerta reduz um dos problemas referentes à expansão do uso de gás natural na matriz energética brasileira, que é a integração física de infraestrutura com os países vizinhos produtores e o acesso a fontes internacionais a preços relativamente estáveis.
"É óbvio que nesse tipo de transação sempre existe risco político de ambos os lados, mas pelo menos, com o acordo, você criaria um horizonte de estabilidade e uma fonte de matéria-prima a preços competitivos para o gás natural disputar espaço na matriz energética brasileira", afirma.
Porém, ele aponta que a questão da integração de infraestrutura, mitigada pelo acordo, é um dos fatores que dificultam a difusão da utilização de gás natural na matriz energética brasileira.
"Existem outros, existem questões relativas à própria infraestrutura interna do país. A gente tem uma rede de gasoduto que é muito concentrada na região sudeste, é pouco integrada entre os gasodutos, é muito fragmentada, tem baixa capilaridade em relação ao território nacional, em relação inclusive às regiões que são atendidas por gasodutos maiores", explica.
Ele acrescenta que existe "um marco regulatório complexo e fragmentado entre os estados", que dificulta a normalização de certos acordos como, por exemplo, a formação de preços, já que vai bater em regimes tarifários diferentes.
"Então a falta de um marco regulatório também unificado, menos complexo, também é um dos fatores. E outros relativos, por exemplo, à questão da utilização de combustíveis fósseis e toda a discussão política sobre incentivos, investimentos na expansão da utilização de combustíveis fósseis e a competitividade que vêm ganhando as energias renováveis."
Diante disso, ele afirma que o acordo resolve um dos problemas, mas não uma série de outros que esbarram em questões internas.
"Para a resolução desses fatores, a gente precisaria avançar em um marco regulatório mais unificado, em acordos entre os entes federativos sobre a regulação relativa à utilização do gás natural. Precisaria haver mais investimentos de infraestrutura para a distribuição desse gás no Brasil. Precisaria, por exemplo, acordos e discussões com as empresas, por exemplo, a Petrobras, sobre a distribuição desse combustível, para você também ter, vamos dizer assim, maior previsibilidade em relação aos contratos de longo prazo, a forma como vai ser distribuída", afirma.
Para viabilizar a integração energética entre Brasil e Argentina é necessário ajustar as questões regulatórias e de infraestrutura, afirma Luis Augusto Medeiros Rutledge, pesquisador de petróleo e gás da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analista de geopolítica do Centro de Estudos das Relações Internacionais (Ceres) e consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX).
Segundo ele, essa é uma questão natural em acordos que envolvem o setor energético onde os contratos são geralmente de médio e longo prazo.
"Posso destacar que existe uma necessidade de maior flexibilização dos preços de exportação de gás pela Argentina. A necessidade de ajustes precisos de regulamentação, fator de atraso, servem para definir os valores, incluindo todos os custos do transporte na parte argentina e boliviana e, também, na parte nacional", afirma.
Ele destaca que "se o custo de transporte e distribuição ultrapassar valores maiores que US$ 5 ficará salgado para o comprador brasileiro".
"O governo busca equacionar a redução do custo. Quanto à importação, a intenção brasileira gira em torno da importação de 30 milhões de metros cúbicos (Mm3) por dia de gás de Vaca Muerta até 2030 para completar a oferta importada de gás natural."
No que tange às questões internas, Rutledge enfatiza que os gargalos de infraestrutura ainda são enormes na cadeia de gás natural nacional, por isso "é apropriado avaliar as possiblidades de oferta importada e nacional que possam desenvolver a forte demanda de gás natural do país, principalmente no setor industrial".
"Além das importações, as alternativas são o incremento da infraestrutura com maior implantação de terminais de gás natural liquefeito (GNL) e gasodutos, que façam o escoamento e distribuição do gás para cidades do interior do país. Hoje, a infraestrutura está quase em sua totalidade na costa brasileira, impedindo que as distribuidoras possam universalizar o gás nas cidades. Muitas cidades do interior do país não fazem uso do gás natural como principal fonte energética pela ausência de oferta e/ou infraestrutura local."
Para Rutledge, o ruído em torno do acordo não afetará a imagem do Brasil, que continua com um papel relevante e de liderança nas questões energéticas, principalmente no que diz respeito à transição energética.
"Forte em inovação tecnológica e inserção de energia a partir de biomassa (biocombustíveis), o Brasil tem se destacado na geopolítica energética global. Além de possuirmos uma matriz energética com predominância de fontes renováveis, temos a matriz elétrica com uma partição de: hídrica (55%), eólica (14,8%) e biomassa (8,4%) e, das fontes não renováveis, as maiores são gás natural (9%), petróleo (4%) e carvão mineral (1,75%). A imagem brasileira no cenário internacional é de referência", afirma.
Por Sputinik Brasil