INTERNACIONAL

Análise: países que optarem por manter o apoio à ação de Israel em Gaza terão a imagem manchada

Publicado em 04/06/2025 às 17:40
© AP Photo / Jehad Alshrafi

Em entrevista ao podcast Mundioka, especialistas afirmam que a desproporcionalidade da ofensiva israelense em Gaza tornou perceptível a intenção de Israel de eliminar a população local e que países que não apoiam a criação de um Estado palestino podem ficar isolados.

O Brasil assumiu a presidência do Comitê da ONU para os Direitos Inalienáveis do Povo Palestino em meio ao agravamento da crise em Gaza. A iniciativa visa articular junto à comunidade internacional a criação e o reconhecimento de um Estado palestino.

A liderança do Brasil foi proposta por França e Arábia Saudita, que planejam convocar em julho uma conferência internacional para declarar a soberania da Palestina e abrir caminho para sua entrada na Organização das Nações Unidas (ONU). O gesto, no entanto, é simbólico e diplomático, levantando questões sobre qual o impacto concreto na situação atual do enclave.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Natali Hoff, doutora em ciência política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora de relações internacionais no Centro Universitário Internacional Uninter, afirma que o que está ocorrendo é um movimento mais intenso de atores da comunidade internacional que vinham adotando uma posição alinhada ou pelo menos omissa com relação às ações de Israel na Faixa de Gaza.

"A gente começa a ver posicionamentos dessas lideranças um pouco mais enfáticos, né? E até algumas ameaças com relação a Israel. E junto com toda essa movimentação, a gente também teve essa iniciativa [do comitê]", explica Hoff.

Ela afirma que a mudança na forma como a comunidade internacional vem tratando a questão em parte é resultado das ações de Israel, que ela aponta ter minado nos últimos anos toda e qualquer possibilidade de um Estado palestino por meio de campanhas em Gaza que vão muito além do combate ao Hamas.

"Por mais que, segundo o governo israelense, tenham como objetivo destruir o Hamas, mas a gente percebe que elas vão muito além disso. Elas têm destruído infraestrutura civil, têm incorrido em punição coletiva para a população palestina, e até mesmo, a gente já pode começar a falar de genocídio", afirma.

Hoff afirma que a conferência vem em um momento de crescente demanda da opinião pública interna em diversos países europeus, como a própria França, por exemplo, pedindo ações em prol da causa palestina e também de retaliação a Israel, como rompimento de relações comerciais ou a substituição do país como fonte de tecnologia militar.

Ela acrescenta que somado a isso está a pressão de atores do Sul Global, que apontam que muitos países ocidentais que são os primeiros a apoiar o direito da Ucrânia de se defender não usam "essa mesma régua" em relação à Palestina.

A especialista afirma que países que optarem por manter o apoio à ofensiva israelense terão a imagem manchada. Isso porque, embora a campanha tenha começado com algo justificável diante do ataque do Hamas, a desproporcionalidade tornou cada vez mais perceptível a intenção de eliminar de fato a população palestina.

"Acho que é como a extrema-direita israelense tem visto esses últimos anos, como um momento que abre uma oportunidade para que eles possam empreender uma campanha que, certamente, é, do ponto de vista moral e humano, inaceitável. Porque é uma campanha de limpeza étnica, de genocídio, que é basicamente eliminar e expulsar o máximo de palestinos possíveis, seja ali avançando os assentamentos dos colonos judeus na Cisjordânia ou empreendendo essa campanha horrível em Gaza com a destruição de toda a infraestrutura civil e morte de milhares de civis", afirma.

Arturo Hartmann, doutor em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos (CEAI), da Universidade Federal de Sergipe, afirma ao podcast Mundioka que a escolha do Brasil para presidir o comitê se deu porque, além de ser uma economia relevante no mundo, o país vendeu durante muito tempo a ideia de que pode mediar conflitos.

"Podemos até discutir qualitativamente como o Brasil fez isso, mas a percepção do governo brasileiro era essa", afirma.

Ele acrescenta que além de mediar é preciso dar o passo seguinte, pressionando Israel, por meio de punições e sanções.

"Você precisa pressionar Israel para que Israel pare com o esforço colonial, com o genocídio, com as estruturas de violência na Cisjordânia, com a anexação de Jerusalém Oriental, com a anexação das Colinas de Golã, que é um território sírio."

Hartmann afirma que é possível que durante as negociações o Brasil se sinta "mais corajoso" ou "mais à vontade" para "ser agressivo diplomaticamente, porque outros países estão assim". Segundo ele, o que vai acontecer é o isolamento dos países que não apoiam a criação de um Estado palestino.

"Porque [é] o que vai acabar acontecendo, e a gente vai ver [esse reconhecimento], já que tem esses 143, quase 150 países dos 193 da Assembleia Geral [da ONU] que já reconheceram ou vão reconhecer, alguns durante o genocídio foram e reconheceram", afirma o analista.


Por Sputinik Brasil