Justiça reconhece união estável entre três homens apesar de veto do CNJ

A Justiça de São Paulo reconheceu a união estável poliafetiva entre três homens que vivem juntos em Bauru, no interior do estado, mesmo diante da proibição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para esse tipo de registro em cartórios. A decisão foi assinada pela juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão no início de julho e validou um contrato particular que formaliza a relação entre Charles Trevisan, Kaio Alexandre dos Santos e Diego Trevisan.
O trio havia assinado e autenticado em cartório um documento particular reconhecendo o relacionamento. Embora o CNJ proíba desde 2018 o registro oficial de uniões envolvendo mais de duas pessoas, a Justiça considerou que o contrato é válido juridicamente, já que não há vedação expressa para esse tipo de registro no cartório de Títulos e Documentos (RTD), diferente do Registro Civil ou dos Tabelionatos de Notas.
O relacionamento começou ainda em 2024, quando Charles e Diego, que já eram casados, conheceram Kaio pelas redes sociais. O trisal decidiu registrar a união quando Kaio completou 18 anos. Mesmo após o jovem decidir se afastar do relacionamento, optou por manter o registro da união como forma de afirmação contra o preconceito.
O caso foi contestado pelo próprio cartório, que advertiu a funcionária responsável pela autenticação e solicitou a anulação do contrato. O Ministério Público também opinou pela invalidação do registro. No entanto, a Justiça assegurou a validade do documento, reforçando que, em relações privadas, o que não é expressamente proibido pela lei é permitido.
“A decisão serve para combater o preconceito. Entendemos que, mesmo sem o respaldo tradicional do Estado, o contrato com firma reconhecida tem valor para nós”, afirmou Charles, que é graduado em Direito.
A advogada Beatriz Leão, especialista em Direito de Família, explica que, embora a união poliafetiva não tenha o mesmo status legal de casamento ou união estável tradicional, o registro foi possível por ter ocorrido em um cartório cuja finalidade permite esse tipo de documentação particular.
No Brasil, ainda não há dados oficiais sobre uniões poliafetivas, já que os registros são proibidos nos cartórios competentes. A advogada destaca que o caso é um exemplo de como a legislação e os costumes precisam evoluir para acolher diferentes formas de amar.
A decisão judicial teve trânsito em julgado, ou seja, não cabe mais recurso. O cartório informou que cumpriu a determinação e arquivou o procedimento. A escrevente advertida não recebeu punição maior, já que não havia norma clara para o caso.