JUSTIÇA

Mudanças no foro privilegiado: perseguição do STF ou ajuda para golpistas?

Por Sputinik Brasil Publicado em 12/08/2025 às 16:00
© Foto / Antonio Augusto/STF

Sputnik Brasil ouviu parlamentares da oposição e da situação sobre a mudança que deve ser pautada nesta semana na Câmara. Cientista política entrevistada pela agência alerta para enfraquecimento das instituições.

Os deputados federais da oposição querem que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), coloque em pauta o quanto antes a PEC 333/17, que prevê mudanças no foro privilegiado, limitando o mecanismo a cinco autoridades: presidente e vice-presidente da república, chefe do Judiciário e presidentes das casas do Congresso Nacional.

Atualmente, o foro privilegiado abrange quase 60 mil pessoas que ocupam 40 tipos de cargo nas esferas federal, estadual e municipal, no Executivo, Judiciário e Legislativo.

Com as leis vigentes, o Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, julga crimes não decorrentes do exercício do mandato de presidentes e vice-presidentes da república, ministros, senadores, deputados federais, integrantes dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e embaixadores. E é justamente da mira do STF que parte dos congressistas querem fugir.

A Sputnik Brasil conversou com deputados federais e senadores, tanto da situação quanto da oposição, e fez duas perguntas:

Enquanto parlamentares de oposição alegaram que deputados e senadores são vítimas de chantagem do STF, que supostamente teria se tornado uma corte politizada, membros da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que esta é uma forma encontrada por aliados de Jair Bolsonaro para blindar o ex-presidente e outras pessoas acusadas por atacar a democracia.

Respostas dos congressistas sobre as mudanças do foro privilegiado

Hoje, o foro privilegiado tem sido utilizado como instrumento de coação, de chantagem por parte do STF, que ao ver que deputados querem aprovar matérias que são conflitantes com os interesses dos ministros do Supremo, os ministros acabam fazendo atividade político-partidária, o que inclusive é motivo para impeachment, e fazem ligações, interferências em votações, como foi o caso, por exemplo, do voto impresso, da própria anistia. E os deputados se sentem sem liberdade, porque muitos deputados acabam sendo enfiados em inquéritos, acabam tendo os seus nomes envolvidos em ações penais, para que esses ministros possam ter o controle do Congresso Nacional.

As regras do Poder Judiciário têm um fundamento histórico e legal baseado em princípios como autonomia, isonomia, imparcialidade, eficiência e proteção dos cidadãos e cidadãs, garantindo que a Justiça seja aplicada de modo coerente e previsível. Tais preceitos legais não podem ser flexibilizados ou modificados para atender aos interesses particulares de quem quer que seja, mesmo sendo um ex-presidente da República. [...] Outro ponto que demonstra o caráter duvidoso da iniciativa é que durante anos, a PEC ficou esquecida na Câmara dos Deputados e volta ao debate justamente em meio à mais aguda crise política desde os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Em nome da democracia e da autonomia do Poder Judiciário, sou absolutamente contra a PEC 333/2017.

O fim do foro, da forma como está estruturado hoje, é um passo para quebrar as amarras que o STF tenta impor sobre o Poder Legislativo. Sem esse instrumento de controle político, parlamentares poderão exercer seu mandato com mais autonomia e coragem, sem o medo constante de serem perseguidos ou terem seu trabalho paralisado por decisões judiciais seletivas. O povo elegeu seus representantes para defender valores, ideias e direitos, não para serem reféns de um tribunal que extrapola suas funções constitucionais. O fim do foro fortalece a separação dos Poderes e devolve ao Legislativo a liberdade que ele precisa para cumprir seu papel.

É de conhecimento público que o verdadeiro e único objetivo dos defensores da PEC que pretende extinguir o foro por prerrogativa de função, de forma ampla e irrestrita, é o de proteger e salvar da responsabilização aqueles que, como o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, incorreram em condutas voltadas à tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, à subversão da ordem jurídica e à prática de golpe de Estado. Há, portanto, nítido e grave desvio de finalidade na formulação dessa proposta, o que a torna, especialmente no atual momento histórico, absolutamente inviável de ser aprovada.

A legislação não pode ser alterada por conveniência. Hoje, muitos dos que querem acabar com o foro privilegiado já foram contra julgamento de parlamentares federais em outras instâncias da Justiça. Sou a favor da manutenção das regras atuais porque entendo que a mudança pretendida por alguns, neste instante, tem caráter meramente protelatório. Visa apenas atrapalhar os inquéritos em curso no STF.

Os congressistas querem mudar as regras do foro privilegiado porque anteriormente, de fato, era um privilégio ter a Suprema Corte do país como um guardião da Constituição e, principalmente, das prerrogativas parlamentares. Hoje, não há nenhum privilégio em ser julgado por uma corte que se tornou, de fato, política. E diversos, dezenas de senadores, estão com a corda no pescoço e tomando pressão do STF por conta de inquéritos sigilosos, de pressão política que alguns ministros do STF fazem e chantageiam os congressistas.

Mudança do foro privilegiado precisa ser pautada para tirar a chantagem que muitos deputados e senadores vêm sofrendo por parte de alguns ministros do STF.

Pauta progressista é abraçada por conservadores

A cientista política e professora do departamento de ciências sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Clarisse Gurgel explica que a pauta defendida pela ala conservadora do Congresso outrora foi um discurso dos progressistas. A autora do livro "Ação Performática" destaca que apesar de o desejo pelo fim do foro privilegiado ser o mesmo entre os grupos, os motivos são bem diferentes.

Segundo Gurgel, o STF era considerado uma corte de privilegiados, o que fazia com que progressistas exigissem que autoridades cumprissem o rito de julgamento, começando pela primeira instância da comarca onde o crime foi cometido. O Supremo, por sua vez, ao ganhar um aspecto de salvaguarda da Constituição Federal nos últimos anos, se tornou alvo da ala bolsonarista.

A cientista política acredita que o objetivo dos parlamentares a favor das mudanças do foro privilegiado é justamente enfraquecer o processo jurídico, colocando casos nas mãos de juízes estaduais mais facilmente sujeitos a pressões.

"O que o bolsonarismo está entendendo é que transferir, retornar o poder de julgar um parlamentar para os estados, é permitir que essa capacidade de pressão e penetração via fisiologismo ou via pressões diretas armadas, através de milícia, polícia, é mais eficaz no âmbito estadual do que no âmbito federal."

Para Gurgel, alterar as regras de foro privilegiado contribui para uma flexibilização das instituições, culminando no enfraquecimento de todo o sistema de poderes. A especialista destaca que a articulação para colocar a PEC 333/2017 em pauta, em uma reunião sem o envolvimento de Hugo Motta, inclusive, mostra mais um sintoma dessa pulverização das instituições.

"O presidente da Câmara representa essa unidade, essa organização universalista de uma casa parlamentar. E quando eles desgastam [a figura], de certa forma, transferem a instância decisória não para aquele plenário real, mas para um bastidor de negociação, coisa que já é da cultura do mercado político, eles já estão desmoralizando a presidência."

Gurgel também destaca que para o processo contra Bolsonaro sair do STF, é preciso que a defesa comprove com argumentos que uma eventual mudança nas regras do foro privilegiado favorecerá o acusado. Entretanto, a cientista política não vê cenário no qual os advogados do ex-presidente consigam comprovar esse argumento.

"[Uma mudança de instância] é a razão pela qual, talvez, o processo de julgamento de Bolsonaro tenha que ser mais célere, mas com cuidado e cautela de não ser tão célere ao ponto de comprometer a ampla defesa, o direito do contraditório."