Escândalo de corrupção desgasta imagem de Milei antes de eleições na Argentina

O governo do presidente Javier Milei vive seu momento mais crítico em quase dois anos na presidência da Argentina. Um escândalo de corrupção com a agência para pessoas com deficiência envolve sua irmã, Karina Milei, chamada de "o chefe" - no masculino - e coloca em xeque o discurso "anti-casta" do libertário. Isso há poucas semanas das eleições legislativas que podem definir o futuro do programa político do governo.
Áudios vazados em 20 de agosto, cuja veracidade ainda é checada pela Justiça, trazem o ex-diretor da Andis (Agência Nacional de Deficiência) Diego Spagnuolo afirmando que Karina Milei recebia propina em cima de medicamentos vendidos ao Estado em um esquema de corrupção que envolvia uma rede de farmácias. Spagnuolo, um advogado que chegou a defender casos para o presidente, afirmava na gravação divulgada pelo canal de streaming "Carnaval Stream" que 8% de cada compra de medicamentos teria sido destinado a pagamentos ilícitos, dos quais 3% teriam sido destinados a Karina Milei, que além de irmã do presidente é secretária-geral da presidência.
Milei saiu em defesa de sua irmã, afirmando se tratar de uma farsa plantada pela "casta". A secretária da presidência, porém, ainda não se manifestou. O libertário ganhou as eleições de 2023 prometendo acabar com "a casta política corrupta" do país que, segundo ele, seriam os kirchneristas - a ala mais à esquerda dentro do peronismo.
Este já é o segundo escândalo do governo Milei. Em fevereiro, Milei incentivou a compra da criptomoeda $LIBRA, que teve uma valorização exponencial seguida de uma queda igualmente exponencial, levando seus compradores a perderem dinheiro. A oposição acusou o presidente de fraude e pediu seu impeachment na época. Após o caso de Karina, a oposição aproveitou o momento para destravar uma comissão para investigar o caso das criptomoedas.
Governo paralisado
O escândalo ocorre em um momento crítico para o governo. Em uma semana ocorrerão as eleições legislativas da província de Buenos Aires, que concentra um terço do eleitorado argentino. Em 26 de outubro serão as eleições nacionais, nas quais serão renovadas metade das bancadas da Câmara de Deputados e um terço do Senado.
Até lá, o governo está paralisado já que sua base de apoio se desmanchou. O libertário começou o governo com uma base minúscula, mas costurou uma bancada frágil graças ao apoio de partidos da direita tradicional. Mas conflitos internos fez essa bancada esfarelar.
Em julho, Milei rompeu definitivamente com sua vice-presidente, Victoria Villarruel, que também conta com o voto de minerva no Senado. Com ela, além da garantia do desempate a favor do governo, foi embora parte dos políticos conservadores que estavam junto às fileiras libertárias.
Hoje, Milei não consegue aprovar seus projetos e coleciona derrotas no legislativo. Se não conseguir ampliar a presença de libertários em ambas as casas, seus dois próximos anos serão muito mais difíceis e a reeleição em 2027 não será uma garantia.
"Todo o mapa de alianças que apoiavam o governo foi reconfigurado e hoje eles não o apoiam mais", observa o economista e professor da UBA Fabio Rodriguez. "Eles estão em uma situação delicada, porque se não aumentarem sua força legislativa com essas eleições, teremos um claro problema de governabilidade."
"Isso coloca o governo Milei em uma situação defensiva, no qual terá de dar explicações. E o caso já está avançando na Justiça. Hoje o governo está preso em uma crise sem dar respostas, sem saber como sair desse labirinto politicamente." (Fabio Rodriguez, economista e professor da UBA)
Reações
O caso já impactou os dados de aprovação do governo. Até então Milei vinha se mantendo muito acima da média dos últimos presidentes em seus índices de aprovação, mesmo com o aperto no bolso dos argentinos devido a sua política de ajuste fiscal. Em agosto, porém, o Índice de Confiança no Governo, medido pela Universidad Torcuato di Tella mostrou uma queda de 13,6% em comparação com o mês anterior. Já comparado com agosto do ano passado a queda foi de 16,5%.
A avaliação negativa apareceu nos cinco componentes analisados pelo índice: -9,9% em honestidade dos funcionários; -14,6% na capacidade de revolver os problemas do país; -13,3% na eficiência da administração do gasto público; -12,8% na avaliação geral do governo e -18,2% na preocupação pelo interesse geral.
Na quarta-feira, 27, a comitiva de Milei foi alvo de pedradas durante um comício eleitoral em Lomas de Zamora. O candidato local Maximiliano Bondareko, ficou ferido. Um dia depois, Karina precisou ser retirada às pressas de um evento de campanha em Corrientes após um princípio de confusão. Rodriguez ressalta que a queda na aprovação não pode ser atribuída só ao escândalo, que ainda é muito recente, mas por uma somatória de fatores.
Na parte econômica, o país estagnou. Milei conseguiu conter a inflação galopante dos últimos anos, mas o consumo e a indústria no país sentiram os efeitos e ainda não se recuperaram plenamente. Os investimentos e os dólares que o governo tanto queria ainda não chegaram e o setor exportador - que foi o maior ganhador dos primeiros dois anos de Milei - reclama dos impostos ainda em vigor.
O caso dos medicamentos, então, veio para selar o descontentamento, com o mercado argentino despencando após a publicação dos áudios. O risco-país também voltou a crescer, passando dos 800 pontos, atrás apenas de abril deste ano, quando o governo retirou o controle na compra de dólares. Um risco-país alto dificulta o acesso a mercados internacionais e complica a vida de quem precisa quitar sua dívida em dólares até o ano que vem.
Eleições de domingo
O cientista político Facundo Galván, no entanto, alerta que para as eleições de Buenos Aires, onde o partido libertário A Liberdade Avança está com vantagem, pode ser um pouco cedo para que o escândalo mude o voto do eleitorado. O pleito na província, que é um reduto peronista, será no próximo dia 7 de setembro. "Este escândalo ainda não se desenvolveu completamente e não sabemos qual será a verdadeira profundidade das acusações ou a conexão com a irmã do presidente", afirma Galván.
A perda de confiança não necessariamente pode traduzir em derrota eleitoral imediata por um motivo simples: a oposição não captura o descontentamento. O peronismo se vê desorganizado e com dificuldades de encampar uma narrativa anticorrupção com sua líder, Cristina Kirchner, presa. Ela seria candidata a deputada. Já a direita que rompeu com Milei se vê escanteada pelos eleitores.
"O que provavelmente ocorrerá é um aumento da apatia, que de alguma forma Milei conseguiu eclipsar", afirma Galván. "A Argentina antes de Milei estava em uma crítica forte à classe política, um forte crescimento da apatia política e muitas pessoas que já não acreditavam em ninguém, nem nos peronistas nem nos antiperonistas."
"Se agora o mileísmo também não conseguir saciar essa sede de representação que havia em uma parte da sociedade, provavelmente isso não será capitalizado por nenhuma força política, mas sim irá para a abstenção." (Facundo Galván, cientista político e professor da UBA)
Mas a oposição tenta. A denúncia do caso na Justiça foi apresentada por Gregorio Dalbón, advogado de Cristina Kirchner, o que levou à buscas e apreensões e confiscos de celulares envolvidos no escândalo. Também foi destravada na Câmara dos Deputados uma comissão de inquérito sobre o caso $LIBRA. "Obviamente Cristina Kirchner quer capturar isso politicamente, mas também é pouco provável que a cidadania argentina veja Cristina como uma paladina contra a corrupção", completa Galván.