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Análise: Ao estreitar laços com a China, Brasil projeta autonomia ao invés de dependência do Ocidente

Publicado em 08/09/2025 às 17:25
© Sputnik / Sergey Bobylev / Acessar o banco de imagens

Movimentos como a fala do assessor especial da presidência, Celso Amorim, sobre o Brasil estar aberto a ampliar a cooperação militar com a China e a participação de Amorim em evento ao lado dos presidentes de China, Rússia e República Popular Democrática da Coreia demonstram novos gestos simbólicos de estreitamento de laços no Sul Global?

Em um movimento considerado inédito na política externa brasileira, o governo decidiu enviar generais para atuarem como adidos militares na embaixada em Pequim. Oficiais de alta patente eram então exclusivos à missão em Washington.

Para especialistas, a iniciativa marca a busca do Brasil por uma política externa mais autônoma e menos dependente dos Estados Unidos. Segundo Alana Camoça, analista de relações internacionais e pesquisadora do LabChina na UFRJ, "a nomeação de generais como adidos em Pequim é bastante simbólica e demonstra uma diversificação estratégica do Brasil".

Conforme acrescenta Marina Moreno, mestre em economia política internacional pela UFRJ, a ampliação da presença diplomática e militar brasileira em Pequim abre espaço para o aprofundamento das relações entre os países.

"No plano da diversificação de parceiros, essa cooperação contribui para reduzir a dependência exclusiva de insumos, tecnologia, logística e intercâmbios com os EUA e a OTAN."

Apesar do peso da presença de elementos que caracterizam setores como o de defesa, Moreno aponta que a cooperação trata-se igualmente de um instrumento de política econômica, uma vez que a "cooperação pode vir acompanhada de parcerias industriais, investimentos e transferência seletiva de tecnologia, fortalecendo cadeias produtivas nacionais contra medidas protecionistas externas — como as tarifas impostas recentemente pelos Estados Unidos às exportações brasileiras".

As analistas, no entanto, destacam que isso não representa um alinhamento automático com o governo chinês. "Reflete a busca de Brasília por pluralizar parcerias em matéria de defesa e segurança, o que pode servir o Brasil para reduzir no médio e longo prazo a sua dependência em relação aos EUA", afirma Camoça.

Além da dimensão política, a expectativa é de que a cooperação possa trazer benefícios técnicos e tecnológicos.

"Existe uma expectativa potencial de que a cooperação com a China possa ser revertida também em transferência tecnológica", acrescenta.

Encontro de Xi, Putin e Kim assusta o Ocidente?

Os líderes estiveram juntos recentemente, quando o presidente chinês Xi Jinping recebeu os homólogos Vladimir Putin e Kim Jong-un durante o desfile militar em celebração ao 80º aniversário do Dia da Vitória chinês. O gesto teve forte impacto geopolítico.

O presidente russo, Vladimir Putin, o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un (da esquerda para a direita), em uma recepção de gala para marcar o 80º aniversário da Vitória do Povo Chinês na Guerra de Resistência contra o Japão, Pequim, China, 3 de setembro de 2025
O presidente russo, Vladimir Putin, o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un (da esquerda para a direita), em uma recepção de gala para marcar o 80º aniversário da Vitória do Povo Chinês na Guerra de Resistência contra o Japão, Pequim, China, 3 de setembro de 2025

A imagem dos três líderes foi amplamente interpretada como uma demonstração de força frente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e aos Estados Unidos. Na avaliação de Camoça, "a lógica central dessa aproximação é principalmente política, posto que serve para sinalizar que o Brasil busca diversificar suas parcerias estratégicas em diferentes áreas".

A especialista aponta, ainda, que o gesto também envia um recado ao governo dos Estados Unidos, especialmente sob a liderança de Donald Trump, de que o Brasil busca manter sua soberania e ampliar sua margem de manobra no cenário internacional.

Moreno, por sua vez, destaca que paradas militares e gestos públicos funcionam como instrumentos de soft power e de sinalização estratégica. Nesse sentido, segundo ela, a aparição pública dos líderes juntos naquela contexto representa, no plano simbólico e prático, "um contraponto à ordem internacional liderada pelos EUA". Entretanto, o "encontro não elimina a primazia militar dos Estados Unidos, mas enfraquece a narrativa de uma hegemonia absoluta".

"O que pode ser afetado é o domínio político e simbólico, isto é, a habilidade norte-americana de estabelecer regras internacionais sem contestação. A presença de líderes que desafiam padrões ocidentais revela caminhos alternativos e novas possibilidades de alinhamento para diversos países", completa.

A crescente presença da China no Sul Global, aliada ao seu estreitamento com potências não ocidentais, incomoda o Ocidente — em especial os EUA —, pois pode sinalizar uma reconfiguração da ordem internacional. Questionada sobre o impacto dessas movimentações no status dos EUA como maior potência militar, Camoça é direta: "A imagem dos três líderes no desfile mina a posição dos EUA como potência militarmente invencível".


Por Sputinik Brasil