'Salvaguardas' da União Europeia para proteger o setor agrícola podem prejudicar o Mercosul?

Embora a União Europeia avance no processo de aprovação do acordo com o Mercosul, a introdução de novas "salvaguardas" para proteger seu setor agrícola tem gerado dúvidas e resistência. Especialistas ouvidos pela Sputnik alertam que essas cláusulas podem acabar se tornando um "desestímulo" para o Mercosul.
Após anos de negociações, a União Europeia iniciou o trâmite formal para ratificar o Acordo de Associação com o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
No começo de setembro, a Comissão Europeia encaminhou ao Conselho Europeu a recomendação de assinatura, destacando que a iniciativa criaria "a maior zona de livre comércio do mundo, com mais de 700 milhões de consumidores", além de impulsionar em 39% as exportações europeias para o Mercosul, principalmente de automóveis, máquinas e produtos farmacêuticos.
O analista argentino Juan Alberto Rial lembrou à Sputnik que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já declarou a intenção de aprovar o acordo até o fim do ano. Para isso, ao menos 15 dos 27 países-membros – representando 65% da população da UE – precisam votar a favor.
No entanto, Rial mantém ceticismo sobre as reais chances de aprovação. Segundo ele, países como França, Polônia, Itália e os Países Baixos já se posicionaram contra. O peso político e demográfico desses países pode dificultar mais o avanço do acordo do que o apoio de defensores como Alemanha e Espanha.
Para tentar evitar um fracasso, a Comissão Europeia incluiu no texto uma série de salvaguardas que, segundo Bruxelas, servem para garantir que a entrada de produtos agrícolas do Mercosul não prejudique os produtores locais. Essas cláusulas acionariam mecanismos de alerta e debate caso as importações sul-americanas desestabilizassem o mercado europeu.
O texto também limita a participação de produtos do Mercosul a pequenas frações da produção europeia, como 1,5% para carne bovina e 1,3% para aves.
Rial avaliou que essas medidas respondem principalmente às pressões da França, mas acabam criando mais incertezas sobre o acordo. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já manifestou preocupação em conversa com Von der Leyen.
O analista uruguaio Ignacio Bartesaghi vê a estratégia como uma tentativa do bloco de conquistar apoio francês, mas ressalta que persiste a dúvida: trata-se apenas de uma decisão interna da UE ou o Mercosul também precisará aprovar as novas cláusulas? Para ele, apesar de já existirem quotas definidas nas negociações anteriores, a forma como as salvaguardas serão aplicadas não estava estabelecida.
"Se a implementação for excessivamente restritiva, pode desestimular o acordo e ser interpretada como uma perda de acesso ao setor agrícola, justamente o que mais interessa aos países do Mercosul", concluiu Bartesaghi.
Porém, Bartesaghi destacou que o Mercosul provavelmente adotará a estratégia de aguardar o resultado da votação do acordo na União Europeia, para não "se antecipar" a um processo que pode ser longo.