ORIENTE MÉDIO

Ataque de Israel ao Hamas no Catar evidencia que Netanyahu não quer paz, avaliam analistas

Por Sputinik Brasil Publicado em 11/09/2025 às 21:00
© Foto / Ronen Zvulun

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas destacaram que o governo catariano pode revidar a agressão israelense, conforme o direito internacional, mas episódio não deve ocorrer.

As Forças de Defesa de Israel (FDI) atacaram, na última terça-feira (9), um prédio residencial em Doha, capital do Catar, e mataram seis pessoas, incluindo cinco membros do Hamas que estavam no país para negociar um acordo de cessar-fogo com o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A comunidade internacional criticou amplamente a ofensiva israelense, incluindo pronunciamentos de países como Brasil, Rússia e até mesmo Estados Unidos. Por meio das redes sociais, o presidente Donald Trump alegou que a ação das FDI não colabora para o processo de paz na Faixa de Gaza, ainda que eliminar o Hamas seja "um objetivo digno".

O Catar também criticou a ofensiva de Israel e afirmou que o episódio "constitui uma flagrante violação de todas as leis e normas internacionais e representa uma séria ameaça à segurança dos catarianos e residentes no Catar”.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas afirmaram que Netanyahu não se importa com a paz na Faixa de Gaza ou no Oriente Médio e destacaram que, conforme o direito internacional, o Catar pode responder de forma equivalente à ação de Tel Aviv.

O professor de relações internacionais do Ibmec Marcus Vinícius Figueiredo declarou que esta ação de governo Netanyahu mina a "possibilidade efetiva de paz" negociada através acordo de cessar-fogo, incluindo a volta dos reféns israelenses que estão sob poder do Hamas. O especialista questiona a vontade de Tel Aviv de repatriar, de fato, estas pessoas.

"A situação dos reféns daria a esse governo, na impressão deles, uma carta-branca para agir com força militar, atravessando as fronteiras e soberanias dos Estados, pelo menos ali da região, ao arrepio do direito internacional. Ou seja, a situação dos reféns, que é uma situação gravíssima do ponto de vista humanitário, daria um cheque em branco para Israel solapar, derrubar o direito internacional, que tem como pilares a soberania e a não intervenção."

Figueiredo avalia o ataque como "muito único", uma vez que o Catar tem se posicionado na região do Golfo como um mediador de conflitos. A ofensiva, por tanto, escancara que Netanyahu não busca a paz ou resgatar os israelenses.

"[O ataque] mostra, claramente, uma falta de compromisso do governo Netanyahu com a paz, efetivamente. Você tem no Catar um país que é um interlocutor próximo de Israel na região para poder — por mais que ninguém venha defender um grupo terrorista como o Hamas, mas, infelizmente — negociar com esse grupo. [...] Ao atacar o Catar, ele coloca os próprios reféns em risco porque um acordo de paz seria para salvar os reféns."

O professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Ricardo Leães acredita que os bombardeios aéreos realizados por Israel no Catar enfraquecem a posição de Doha como um mediador, em uma postura parecida com a da Suíça, que ao longo da história era símbolo de neutralidade. Para o analista, a busca por conflitos é uma característica de Tel Aviv.

"Israel minou a tentativa de paz porque Israel não quer uma paz na região. Essa é a realidade. Infelizmente, desde sempre, o objetivo de Israel é se expandir, é conquistar a Palestina inteira, além de, talvez ainda, outros territórios. Diante de um cenário em que isso não acontece, eles vão buscando empurrar com a barriga e travar outras guerras quando considerarem conveniente."

Leães ressalta que bombardeios executados por Israel, como o que aconteceu no Catar, são comuns em outros países da região, como no Irã ou no Iêmen. O professor entende que Tel Aviv, atualmente, é o principal causador da instabilidade no Oriente Médio.

"O país mais desestabilizador do Oriente Médio é o Estado de Israel. É o país que tem menos interesse em uma situação de paz. […] É o país que mais amplia o seu território, é o país que realiza guerras, é o país que já cometeu limpeza étnica, é responsável pelo crime de apartheid — agora está cometendo genocídio contra uma população —, realiza ataques sistemáticos, viola a soberania de vários países da região. Não passa um mês sem que algum país do Oriente Médio — não estou nem considerando a Palestina aqui — seja violentamente atacado pelo Estado de Israel."

Caso pode escalar para uma guerra regional?

Embora o ataque de Israel viole a Carta das Nações Unidas e dê embasamento para o Catar revidar a agressão, classificada por Doha como terrorismo, ambos os especialistas não acreditam que uma ofensiva de escala parecida seja executada contra Tel Aviv.

Leães explica que, desde 2023, Israel assumiu uma postura na qual entende que não pode estar em uma situação vulnerável e que deve atacar os seus inimigos onde quer que eles estejam.

"Por isso que [Tel Aviv] ajudou na deposição de Bashar al-Assad na Síria, por isso que travou uma guerra contra o Hezbollah, trava uma guerra contra o Hamas, ataca frequentemente os houthis, já fez ataques no Iraque e também no Irã. O verdadeiro objetivo de Israel é realizar ataques contra todos os seus inimigos."

Na visão do especialista, o plano de Israel de minar algozes está dando certo, considerando o atual enfraquecimento de Hamas e Hezbollah. Por outro lado, Netanyahu se viu obrigado a recuar quando atacou o Irã no conflito conhecido como Guerra dos 12 Dias.

"Israel apenas aceitou o cessar-fogo com o Irã. Aceitou não, buscou o cessar-fogo, porque realmente ficou surpreendido com a quantidade de mísseis que o Irã lançou."

A empreitada israelense dos últimos anos só acontece pelo endosso dos Estados Unidos. Desta vez, todavia, as miras de Netanyahu acertaram um dos maiores aliados de Washington no Oriente Médio.

Catar é um classificado pela própria Casa Branca como um dos principais aliados fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). No país está localizada a base avançada do Comando Central dos Estados Unidos, na base aérea de Al Udeid.

Para Figueiredo, este episódio pode mexer algumas peças no tabuleiro geopolítico da região.

"Pode ter uma mudança significativa, sim, na percepção dos países do Golfo, como, por exemplo, o Catar, de perceberem mais uma vez, que os Estados Unidos não virão para proteger de uma agressão israelense."

Figueiredo entende que "Trump não tem a exata percepção de como ele une os seus inimigos com a sua forma de atuação" ao respaldar as ações de Netanyahu. O professor destaca que Doha, assim como a Arábia Saudita fez, pode buscar uma aproximação dos países do Sul Global.

"Acho mais provável uma mudança de guinada no jogo político do Oriente Médio, principalmente no que diz respeito às monarquias do Golfo. [...] E, nesse sentido, é preciso ter alguma alternativa para promover a própria segurança."