Governo Milei inicia cortes nas Forças Armadas: programa F-16 sai comprometido

Uma série de cortes orçamentários nas Forças Armadas implementados pelo governo de Javier Milei abrange tarefas de treinamento e manutenção, que ameaçam afetar o programa de aeronaves F-16 adquiridas da Dinamarca. "É como comprar uma Ferrari e não poder abastecê-la", disseram especialistas consultados pela Sputnik.
O ministro da Defesa argentino, Luis Petri, confirmou que a primeira aeronave F-16 — de um lote de 24 — comprada pela Argentina da Dinamarca chegará "voando" ao país sul-americano no dia 5 de dezembro, de acordo com o cronograma planejado pelo governo de Javier Milei e endossado desde o início pelos EUA, os fabricantes da aeronave.
A data foi confirmada por Petri durante entrevista ao canal digital Neura, onde também afirmou que a aeronave chegará pronta para voar e que se trata de "a compra mais importante em termos de defesa dos últimos 40 anos". O ministro também aproveitou a boa notícia que trazia para enfatizar que "a soberania não se conquista proclamando-a, mas equipando as Forças". Caso contrário, enfatizou, "é soberania de fofoca".
O otimismo do ministro pode contrastar, no entanto, com uma face alternativa das Forças Armadas argentinas: a dos cortes orçamentários. Uma "decisão administrativa" do governo Milei, datada de 10 de setembro de 2025, introduziu uma série de "modificações orçamentárias" com o objetivo de "abordar despesas inevitáveis".
Os cortes
As mudanças orçamentárias afetam diversas áreas do governo argentino, mas, segundo análise do veículo de comunicação especializado Zona Militar, impactam particularmente a jurisdição 45, o Ministério da Defesa e, principalmente, as Forças Armadas.
O Exército argentino, por exemplo, sofrerá um corte de cerca de 17,6 bilhões de pesos argentinos (mais de R$ 64,2 milhões). O Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, por sua vez, terá uma redução de 5,004 bilhões de pesos (aproximadamente R$ 18,2 milhões), afetando principalmente itens destinados ao "planejamento militar, exercícios conjuntos e operações".
A Força Aérea argentina também é afetada pelos ajustes, com uma redução de 2,004 bilhões de pesos (cerca de R$ 6,9 milhões), tanto em assistência social ao pessoal quanto em combustível, e outra redução de 3,395 bilhões de pesos (aproximadamente R$ 12,3 milhões) para operações de "prontidão".
Aviões sem manutenção?
Em entrevista à Sputnik, o cientista político especializado em questões de defesa Juan José Roldán considerou que, embora a aquisição das aeronaves já tenha sido finalizada, "não é um bom sinal" que elas cheguem em um contexto de cortes orçamentários que possam comprometer todas as despesas de manutenção, logística e treinamento necessárias para que a aeronave opere normalmente.
"Comprar um sistema de armas é o mais fácil. O custo real de toda a operação está na manutenção, na compra de peças de reposição e no treinamento de pilotos, e representa praticamente 60% ou 70% do investimento. Se esse investimento não for mantido, os aviões voarão, mas com o passar dos anos terão que parar", alertou Roldán.
Também consultado pela Sputnik, o doutor em Ciência Política e especialista em defesa e segurança internacional Sergio Eissa descreveu como "paradoxal" que o governo Milei tenha investido cerca de US$ 300 milhões (mais de R$ 1,6 bilhão) na aquisição das 24 aeronaves, ao mesmo tempo em que implementou cortes orçamentários que afetaram até mesmo a cobertura de saúde dos militares e suas famílias, e forçaram os soldados a buscar outros empregos devido aos baixos salários.
De fato, tanto Eissa quanto Roldán citaram um relatório recente apresentado ao Congresso pelo próprio chefe do Estado-Maior da Argentina, que reconheceu que, desde que o governo Milei assumiu o poder em dezembro de 2023, cerca de 15.000 militares solicitaram baixa. Muitos dos militares que deixam as Forças Armadas acabam, explicaram ambos os analistas, em forças policiais criadas pelas províncias, onde recebem salários mais altos.
"É como comprar uma Ferrari, mas não ter dinheiro para abastecer com combustível ou óleo", explicou Eissa.
Precedente preocupante
Para Eissa, o paradoxo entre discurso e política orçamentária está em linha com a atuação de governos com conotação política semelhante à de Milei, como os de Carlos Menem (1989-1999) ou Mauricio Macri (2015-2019), nos quais, embora houvesse uma forte defesa "simbólica" da questão militar, os orçamentos estavam em declínio.
O especialista considerou que uma das explicações para esse fenômeno é o forte alinhamento desses governos com os EUA e sua crença de que as Forças Armadas latino-americanas devem se dedicar, sobretudo, ao combate ao narcotráfico.
As semelhanças também não parecem ser boas notícias para os F-16. O próprio Menem tem um precedente que tanto Eissa quanto Roldán esperam que não se repita com Milei: no final de 1997, a Argentina comprou 36 aeronaves A-4AR Fightinghawk, fabricadas pela Lockheed Martin, dos EUA, mas a falta de investimento em peças de reposição e manutenção fez com que apenas 18 entrassem em operação.
"Espero que uma situação semelhante à dessas aeronaves não se repita. Elas chegaram com toda a pompa e circunstância e eram ultramodernas, mas apenas algumas acabaram voando porque o setor político não comprou todo o apoio necessário para o programa. Chegaram e foram abandonadas em Villa Reynolds [província de San Luis], onde operavam", explicou Roldán.
Para Roldán, é difícil determinar exatamente o quanto os cortes afetarão o programa F-16, visto que o governo de Milei declarou todas as despesas relacionadas à operação "sob sigilo militar".
Embora o programa F-16 possa ser seguro, dado o interesse que até mesmo Washington tem em sua implementação, concentrar-se exclusivamente nessas aeronaves também parece ter um custo alto. Nesse sentido, o analista destacou que "outros sistemas, como as aeronaves Hércules ou Tucano, para treinamento e ataque leve, estão paralisados", segundo informações públicas repassadas pelas Forças Armadas ao governo.