GAZA

Europa 'pressionada pelas ruas' começa a legitimar a Palestina, mas ainda faltam medidas efetivas

Por Por Sputinik Brasil Publicado em 08/10/2025 às 15:51
© Foto / Sputnik Brasil / Guilherme Correia

O movimento de reconhecimento da Palestina feito por países europeus mostra que a Europa começa a reconsiderar a sua “criatura”, mas ainda faltam medidas contundentes, avaliam especialistas.

"A tragédia palestina é uma decisão inglesa na Declaração Balfour. E é também uma decisão francesa, de um ano antes, nos Acordos Sykes-Picot, quando eles acordam dividir o Oriente Médio e a Palestina ficar para os britânicos darem-na aos sionistas", contextualiza Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal).

Embora atualmente os Estados Unidos sejam o principal parceiro e financiador de Israel, Rabah recorda, em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, que foi a França quem financiou e deu tecnologia a Israel para o seu programa nuclear, "bem como as primeiras caças para que Israel tivesse superioridade aérea".

Sobre o atual reconhecimento, embora tenha status simbólico e não avance no sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) – uma vez que, ao ir ao Conselho de Segurança, os EUA exercem seu poder de veto –, Luiz Felipe Osorio, professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ressalta que é melhor "algum tipo de reconhecimento do que não ter nenhum em nenhum momento". Agora 80% dos 193 países-membros da ONU legitimam a Palestina.

Apesar de discursos e posições mais firmes do que geralmente se viu de chefes de Estado na Europa em relação ao conflito na Palestina, como vem fazendo o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ou, no púlpito da Assembleia Geral da ONU, como fez o presidente da França, Emmanuel Macron, não se trata de uma mudança natural na rota dessas lideranças, mas uma efetiva pressão das ruas que força, de certa forma, a alteração do caminho.

“A gente tem avaliado que o encontro das ruas, dos multidões que tomaram as ruas contra o genocídio, e o escândalo do genocídio ao vivo chegou aos palácios, aos corredores do poder”, diz Rabah.

O presidente da Fepal ressalta, inclusive, que nunca houve um consenso tão grande da comunidade internacional em favor de uma resolução justa da questão palestina, com um Estado palestino soberano.

“Isso muda a balança de poder, isola o genocídio e provavelmente aumenta as possibilidades de investigação do genocídio e do julgamento de Israel como regime pelo crime de genocídio e suas autoridades igualmente pelo Tribunal Penal Internacional”, comenta, sem deixar de ressaltar que mais atos concretos são necessários para mudar a situação atual em curso.

Osório avalia que a efervescência na Europa das manifestações se dá pelo ambiente mais propício, "menos sionista", se comparado aos EUA. Dessa forma, "esses governos vão ficar cada vez mais acossados, eles já são eleitos de uma maneira muito precária".

Ou seja, para o especialista, governantes como Macron ou o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, alcançaram o posto não por terem uma boa avaliação popular, mas pela oposição do adversário, num contexto onde se escolhe “o menos pior”.

“O apoio a Israel faz com que a situação se torne cada vez mais insustentável [...]. É um conflito entre forças irregulares e de força completamente desproporcional. E o fato de esse conflito estar se arrastando, coloca isso sobre Israel e seus aliados uma pressão tremenda.

Porém, os especialistas ressaltam que, ainda que as declarações e os discursos em prol de um Estado específico possam ser considerados um avanço, são necessárias ações efetivas para frear a ofensiva israelense.

Mais de 60% do comércio de Israel no mundo se dá com a União Europeia. Além disso, mais da metade das exportações israelenses na área de tecnologia militar também têm como destinos países da Europa.

“Se esses países resolverem, como parece estar discutindo, rebaixar o seu acordo de livre comércio com Israel, certamente a pressão econômica, o boicote, o desinvestimento e as avaliações vão prejudicar Israel”, ressalta Rabah.

O presidente da Fepal ressalta, ainda, que esse tipo de ação pode começar de forma unilateral e não depende de uma decisão da ONU.

"O Brasil está fazendo isso. A Espanha está fazendo isso. Não precisa de resolução da ONU para que isso aconteça. A Venezuela está fazendo isso. O Chile está fazendo isso. A Bolívia está fazendo isso. Muitos países no mundo todo estão fazendo isso. Então, há poder na soberania dos países de atribuir ao direito internacional unilateralmente", acrescenta.

O plano de Trump ajuda a mitigar a ofensiva em Gaza?

O governo dos Estados Unidos divulgou no fim de setembro um plano contendo 20 pontos assinados pelo presidente Donald Trump com a promessa de encerrar imediatamente o conflito na Faixa de Gaza, caso "ambas as partes" aceitassem as condições.

Durante o encontro com o republicano, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou concordar com os termos. O Hamas, por sua vez, aceitou partes da proposta de cessar-fogo, rejeitando a entrega de armas, condicionando-a à criação de um Estado palestino soberano com um Exército próprio.

Com exceção da promessa de um cessar-fogo, Rabah enfatiza que não conseguiu "enxergar nada de positivo" no plano americano.

"É um plano colonial que diz que os Estados Unidos ocuparão Gaza, que os palestinos não terão papel na administração de Gaza, e que Gaza terá como gerente geral um genocida, Tony Blair, que tem a mão manchada de 2 milhões de mortos no Iraque quando ele encontrou que o Iraque deveria ser invadido. [...] O plano do Trump não fala nada sobre o desbloqueio de Gaza, não fala nada sobre a vizinhança de Gaza", explica.

Osório, por sua vez, observa que o plano de Trump tem tudo para dar errado, uma vez que as condições impostas não são reais, mas como os países que fazem o acordo gostariam que fosse o desfecho.

“Essas propostas que levam ao desarmamento do Hamas e de outras forças de resistência para um governo ali, ou do Fatah, ou de uma administração internacional, não condiz com a realidade dos palestinos e com a realidade local”, argumenta.

O presidente da Fepal relata, também, que há pontos que sinalizam “hipocrisia” na solução proposta pelos Estados Unidos, uma vez que, segundo ele, o cessar-fogo estaria “subodinado à liberdade de Israel”.

"Israel é o dono do genocídio, assim como os Estados Unidos são. Então é uma hipocrisia. A troca de prisioneiros, por exemplo, no acordo está previsto que os primeiros palestinos devolvam os prisioneiros de guerra israelenses, que eles adoram chamar de reféns, ou os restos mortais que foram mortos pelo próprio Israel nesse período. Depois disso é que Israel libertaria 250 sequestrados condenados à prisão perpétua".

"Estamos diante de um período horrível da história humana, a pior página da história humana [...], escrita com o sangue do povo palestino", completou.