“Produção Cultural pelo Afeto” propõe nova ética para artistas e gestores em tempos de pressa e performance
Obra de Aline Cântia e Chicó do Céu sistematiza metodologia inovadora que coloca o afeto como eixo estratégico da criação, gestão e sustentabilidade de projetos culturais

Num mercado cultural cada vez mais pressionado por resultados imediatistas e métricas quantitativas, o livro "Produção Cultural pelo Afeto" (Editora AbraPalavra) emerge como um farol para artistas, gestores e produtores que acreditam na cultura como tecido social. Resultado de mais de uma década de experiências práticas do Instituto Cultural AbraPalavra, a obra escrita pela jornalista, narradora e gestora cultural Aline Cântia em parceria com o músico e produtor Chicó do Céu desconstrói a falsa dicotomia entre profissionalismo e humanização no fazer cultural. O livro conta com ilustrações e diagramação do artista, jornalista e escritor carioca André Curvello.
Com uma estrutura que alterna entre memória afetiva, manual prático e ensaio crítico, o livro oferece um mapa detalhado para quem deseja construir projetos culturais sustentáveis a partir de três pilares fundamentais: relações humanas como base estratégica, escuta ativa dos territórios e metodologias colaborativas de gestão. "Nosso trabalho sempre partiu da premissa de que o afeto não é um detalhe romântico, mas a coluna vertebral de qualquer produção cultural verdadeiramente transformadora", explica Aline Cântia, cuja trajetória inclui desde a docência universitária precoce (aos 23 anos) até a criação da primeira escola brasileira dedicada à narração artística. Atualmente, a gestora cultural compõe o Conselho Diretivo do Plano Nacional Livro Leitura 2025-2035, como representante da sociedade civil notório saber, ao lado de nomes como Conceição Evaristo e Daniel Munduruku.
Dividido em quatro estações narrativas — "Primeiros caminhos", "Pé na estrada", "Rotas escolhidas" e "Na linha do horizonte" — o livro funciona simultaneamente como registro histórico, ferramenta formativa e manifesto político. Nos capítulos mais técnicos, os autores desvendam com transparência ímpar os bastidores da produção cultural: desde a elaboração de projetos para editais públicos até a complexa arte da prestação de contas, passando pela internacionalização de carreiras artísticas e pela criação de identidades visuais coerentes com os propósitos de cada iniciativa.
O diferencial da obra está justamente na capacidade de articular esses aspectos pragmáticos com reflexões profundas sobre o papel social da cultura. "Produzir culturalmente pelo afeto significa entender que cada projeto é uma rede viva de relações, que exige tanto planejamento financeiro quanto disponibilidade para o inesperado, tanto profissionalismo técnico quanto abertura para a magia dos encontros", reflete Chicó do Céu, cuja experiência como músico itinerante informa muitos dos casos práticos apresentados no livro.
Entre as contribuições mais originais da publicação está o conceito de "gestão cultural afetiva", sistematizado a partir da experiência concreta do Instituto AbraPalavra em comunidades periféricas, quilombolas e indígenas. Os autores demonstram como é possível conciliar excelência artística com inserção comunitária, mostrando casos reais onde a escuta ativa se transformou em potência criativa. Um dos capítulos mais emocionantes detalha o processo de criação da ELENA (Escola Livre de Estudos da Narração Artística), projeto educativo totalmente gratuito que já formou centenas de narradores em todo o país.
A edição, cuidadosamente trabalhada por Fernando Chagas, conta com ilustrações e projeto gráfico de André Curvello que dialogam organicamente com o conteúdo, criando uma experiência de leitura imersiva. O prefácio contextualiza a obra no cenário atual das políticas culturais brasileiras, marcado por desafios mas também por resistências criativas.
Sobre os autores
Aline Cântia, 43 anos, é jornalista formada pelo UNI-BH (2002), mestre em Literatura (2005) e doutora em Educação (2017). Narradora de histórias com atuação internacional, fundou aos 30 anos o Instituto Cultural AbraPalavra, organização que hoje engloba editora, escola de narração artística e Pontão de Cultura. Autora de "Narração Artística: modos de fazer", já recebeu prêmios como Pontos de Memória e Darcy Ribeiro por seu trabalho na interface entre arte, educação e território.
Chicó do Céu (Luiz Carlos Lopes Dinuci), 42 anos, é músico, compositor e produtor cultural. Natural de Itaperuna (RJ) e criado em Contagem (MG), dedica-se há duas décadas à produção cultural independente, com ênfase em processos colaborativos e gestão comunitária. Já realizou turnês nacionais e internacionais com projetos que unem música, literatura e oralidade.