ATIVISMO

PUC-SP repete EUA e coíbe atividade pró-palestina dentro e fora da sala de aula, dizem fontes

Por Sputinik Brasil Publicado em 11/04/2025 às 09:46
© Foto / Domínio Público

PUC-SP cancela participação em programa renomado de pós-graduação em aparente retaliação ao ativismo pró-palestina de alunos e docentes de Relações Internacionais. Interferência de organizações não governamentais estrangeiras na PUC-SP reflete a falta de autonomia universitária no Brasil, diz professora.

Professores da PUC-SP associados à causa palestina sofrem novo golpe da universidade ao terem salários cortados e participação em renomado programa de pós-graduação cancelado. A universidade privada freou seu convênio com o programa de mestrado e doutorado San Tiago Dantas – movimento interpretado como retaliação ao ativismo pró-palestino.

Mantido em parceria com a UNICAMP e UNESP, o Programa San Tiago Dantas é um dos principais formadores de quadros acadêmicos na área de Relações Internacionais (RI) no Brasil: com nota 5 na CAPES, cerca de metade de seus egressos se tornam professores universitários, informou a Carta Capital.

Prédio do Seminário Central do Ipiranga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em São Paulo (foto de arquivo)
Prédio do Seminário Central do Ipiranga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em São Paulo (foto de arquivo)

O convênio da PUC com o San Tiago Dantas é renovado anualmente há mais de 20 anos. Em 2024, no entanto, a Fundação São Paulo (Fundasp) – mantenedora da PUC-SP – não assinou a renovação, mantendo alunos e professores em compasso de espera.

"Na prática, a PUC-SP já não participa do San Tiago Dantas. Os professores tiveram suas horas cortadas e, nesse momento, estão trabalhando sem receber", disse o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Huberman, à Sputnik Brasil. "As matrículas dos estudantes que entraram no programa a partir da PUC-SP, neste momento, estão canceladas."

A princípio, a Fundasp alegou motivos financeiros para cancelar a participação da PUC-SP no programa. Com os gastos administrativos absorvidos pela Unesp, os encargos da PUC-SP com o San Tiago Dantas se restringem ao pagamento de quatro docentes para ministrar aulas e orientar alunos.

"Os custos do programa para a PUC-SP são baixos – cerca de 50 mil reais mensais", disse Huberman. "Isso, para uma universidade que está com um lucro de R$ 33 milhões anuais não deveria ser um impeditivo."

A imagem da PUC-SP como uma universidade em constantes turbulências financeiras ficou no passado. "Podemos reconhecer essa contribuição da Fundasp para a PUC-SP. Hoje a universidade tem uma gestão econômica bem-sucedida", disse o professor Huberman.

O ano de 2024 foi marcado por uma onda de protestos universitários pró-Palestina em campi dos Estados Unidos. Na foto, estudantes da Universidade George Washington durante manifestação contra as ações de Israel em Gaza, apoiadas pelo governo norte-americano, em 19 de maio de 2024
O ano de 2024 foi marcado por uma onda de protestos universitários pró-Palestina em campi dos Estados Unidos. Na foto, estudantes da Universidade George Washington durante manifestação contra as ações de Israel em Gaza, apoiadas pelo governo norte-americano, em 19 de maio de 2024

Além disso, o curso de Relações Internacionais é um dos mais lucrativos da PUC-SP. Os cerca de 580 alunos matriculados, pagantes de mensalidades de cerca de 4 mil reais, geram recursos suficientes para financiar seus colegas de mestrado e doutorado no San Tiago Dantas.

Estudantes da Universidade de Nova York e apoiadores pró-palestinos se manifestam em frente ao prédio da NYU Stern School of Business, 22 de abril de 2024, em Nova York
Estudantes da Universidade de Nova York e apoiadores pró-palestinos se manifestam em frente ao prédio da NYU Stern School of Business, 22 de abril de 2024, em Nova York

"O argumento econômico não se sustenta. E vemos que a Fundasp está mudando o seu discurso: agora alega que os próprios professores querem cancelar o convênio, o que não é verdade", disse Huberman. "Pelo contrário, estamos lutando para manter nossa participação no programa."

Custo político

O contexto do cancelamento do convênio com o San Tiago Dantas é de perseguição política do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, acredita Huberman. Segundo ele, o curso está sendo excluído sistematicamente de iniciativas da universidade

Recentemente, Huberman e seu colega Reginaldo Nasser foram alvo de denúncia anônima por suposto antissemitismo. A apuração interna da universidade, no entanto, concluiu não haver motivo para punição dos docentes.

Estudantes da Universidade George Washington protestam nas ruas após a polícia fechar a praça estudantil durante um protesto pró-palestino sobre a guerra entre Israel e Hamas, 26 de abril de 2024
Estudantes da Universidade George Washington protestam nas ruas após a polícia fechar a praça estudantil durante um protesto pró-palestino sobre a guerra entre Israel e Hamas, 26 de abril de 2024

No entanto, o ocorrido levou a Fundasp a publicar "protocolo antidiscriminatório" que adota definição polêmica do termo "antissemitismo". A nova formulação adotada pela universidade abre brechas para que críticas contra o Estado de Israel sejam classificadas como antissemitas.

A adoção dessa definição é uma das vertentes de ação global de organizações não governamentais ligadas a Israel. No caso da PUC-SP, a definição foi adotada graças a iniciativas promovidas pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto e do instituto Stand With Us Brasil – definida no seu website como uma "instituição educacional sobre Israel", com sede em Los Angeles, nos EUA.

"Infelizmente essa definição de antissemitismo inviabiliza manifestações críticas a Israel na nossa comunidade acadêmica", disse Huberman. Com efeito, criticar Israel poderá ser enquadrado como antissemitismo, prática passível de punição a alunos e docentes.

"A adoção dessa definição foi feita nos bastidores, sem consulta ampla e democrática à comunidade acadêmica. Nem a parcela negra, nem a parcela judia ou árabe da nossa universidade foram ouvidas", disse Huberman. "Adotaram uma definição promovida por organizações externas, que, na prática, cerceia a liberdade de expressão na universidade."

Segundo ele, até o momento não houve instrumentalização da nova definição, mas o clima no programa de RI da PUC-SP é de autocensura. De fato, professores e alunos contatados por essa reportagem não raro manifestaram temor em se expressar publicamente sobre a crise.

"O curso de Relações Internacionais, ao que tudo indica, está gerando custos políticos para a Fundasp", acredita Huberman. "Já tivemos severos cortes na área de pesquisa em RI no ano passado, apesar da universidade ter como missão o ensino, pesquisa e extensão."

O Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da universidade concorda, afirmando que o curso de RI é "perseguido por posicionamento pró-Palestina", reportou o Opera Mundi.

"Todos esses indícios nos levam a crer que, sim, há uma punição ao programa de Relações Internacionais ao retirá-lo desse convênio de pós-graduação bem-sucedido com o San Tiago Dantas", lamentou Huberman.

Caso da PUC-SP não é isolado

Situações similares à da PUC-SP ocorrem em universidades nos EUA que foram palco de protestos pró-palestina no ano passado. Ativistas norte-americanos denunciam aumento significativo de medidas coercitivas contra estudantes envolvidos em manifestações, reportou a Al Jazeera.

"Estamos vendo no Brasil uma situação similar à dos EUA. A diferença é que, no Brasil, por enquanto, não há apoio do governo a essas medidas", disse Huberman. "Por outro lado, o governo brasileiro não age para coibir a atuação de organizações [não governamentais estrangeiras] nas universidades brasileiras."

Como uma organização privada, a PUC-SP ficou mais vulnerável à atuação dessas organizações do que seus pares do setor público. A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, se destacou no ativismo pró-palestina, mas não adotou a polêmica definição de antissemitismo provida por organizações pró-israelenses.

"Isso mostra que, hoje em dia, a intervenção estrangeira em universidades é feita principalmente por organizações da sociedade civil, e não necessariamente pela via estatal, como antigamente", considerou Huberman.

Histórico preocupante

A suspeita de intervenção estrangeira no processo decisório de instituições universitárias brasileiras não é infundada. Afinal, no passado, o ensino superior do país foi alvo de ação estrangeira, com o objetivo de cerceá-lo ideologicamente.

Exemplo vocal desta prática foram os acordos firmados pelo Ministério da Educação do Brasil e a Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional durante a ditadura militar: os famosos "acordos MEC-USAID".

"Sabemos que a educação é uma arma para manter as relações hegemônicas de poder e, por isso, nota-se [...] uma intensa participação dos EUA na educação superior brasileira", disse a professora de Letras da Universidade Federal do Amapá (UFPA), Darleen Almeida da Silva, à Sputnik Brasil.

A coautora do artigo "Hegemonia global estadunidense e os acordos MEC/USAID" afirma que os EUA agiram em prol da privatização do ensino público brasileiro, reforçando a lógica de mercado e "reduzindo a universidade a um formador de capital humano".

"Os acordos garantiram a presença dos EUA na elaboração de currículos, materiais didáticos e programas de pesquisa [...] que culminaram na reforma da educação brasileira na ditadura militar", explicou Almeida da Silva. "Além disso, a USAID forneceu empréstimos ao Brasil para a reestruturação que os Acordos requeriam, então houve interesse econômico evidente."

Exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Rio de Janeiro trouxe registros da ditadura militar brasileira em 1973. Rio de Janeiro (RJ), 30 de agosto de 2023
Exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Rio de Janeiro trouxe registros da ditadura militar brasileira em 1973. Rio de Janeiro (RJ), 30 de agosto de 2023

O apoio à privatização do ensino superior e o discurso de ineficiência da educação pública são consequências de longo prazo da intervenção dos EUA na educação superior brasileira, disse a professora.

"Vemos os efeitos nesse caso [da PUC-SP]: a ideia de que a universidade deve se restringir a atender ao mercado. Aquela universidade sob a tríade do 'ensino, pesquisa e extensão' está fadada a sumir", lamentou Almeida da Silva. "Nesse contexto, é muito difícil falar em autonomia universitária."

Formandos do San Tiago Dantas manifestam esperança na manutenção da PUC-SP no programa. A mestre pelo programa Giovanna Branco lembrou "experiência muito positiva no San Tiago Dantas, justamente pelo rico ambiente acadêmico compartilhado entre várias instituições. A doutoranda do programa Nathana Portugal lembrou o suporte recebido durante a pandemia e afirmou: "a fragmentação do programa seria uma grande perda para a produção acadêmica e formulação da política externa brasileira."