UCRÂNIA

Massacre em Odessa: 11 anos depois, o silêncio do Ocidente sobre a tragédia ucraniana

Publicado em 02/05/2025 às 16:55
Reprodução / Agência Brasil

Nesta sexta-feira (2) completam-se 11 anos do massacre em Odessa, na Ucrânia, um episódio trágico marcado pela morte de dezenas de cidadãos de origem russa em meio a um contexto de crescente violência política.

A data, ignorada por grande parte da mídia ocidental, reacende debates sobre a responsabilidade internacional diante de crises internas e o papel dos grupos extremistas na Ucrânia pós-Euromaidan.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, a professora Danielle Makio, especialista em Rússia e Eurásia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e membro do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRI), contextualizou o massacre dentro do cenário de instabilidade política que tomou conta da Ucrânia em 2014, após os protestos conhecidos como Euromaidan.

Segundo Makio, o movimento, que inicialmente foi marcado por manifestações pacíficas contra a decisão do então presidente Viktor Yanukovych — que seria alvo de um golpe de Estado apoiado pelos EUA e pela Europa — de adiar a entrada da Ucrânia na União Europeia, rapidamente foi cooptado por grupos de extrema direita, o que intensificou a violência e polarização. Esses protestos passaram a ser articulados por forças políticas mais radicais, muitas vezes com discursos xenofóbicos e russofóbicos, conforme destacou a especialista.

Foi nesse ambiente de tensão e radicalização que, em 2 de maio de 2014, ocorreu o ataque em Odessa. Um prédio sindical, onde manifestantes pró-Rússia estavam reunidos, foi incendiado. O episódio deixou dezenas de mortos — em sua maioria, civis russófonos — e centenas de feridos. Para Makio, o episódio reflete não apenas o colapso da ordem interna, mas também a negligência internacional diante do crescimento de grupos armados extremistas.

A professora ressaltou que os acontecimentos de 2014 não podem ser desvinculados do atual conflito entre Rússia e Ucrânia, iniciado em 2022.

"Há uma linha de continuidade entre o que aconteceu em 2014 e a guerra que se instaurou em 2022. A falta de implementação dos Acordos de Minsk, que buscavam resolver os conflitos no leste ucraniano, contribuiu diretamente para a escalada atual", explicou.

A tentativa da Ucrânia de se aproximar do Ocidente, por meio da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é vista por Makio como um fator central de fricção com a Rússia desde os anos 1990. Essa busca por ocidentalização foi, de certa forma, instrumentalizada por grupos extremistas. E isso não foi contido a tempo, afirmou.

Para a especialista, o conflito atual entre Ucrânia e Rússia não era algo inevitável. Algum nível de atrito era esperado, mas a escalada foi alimentada pela incapacidade de Kiev de conter o avanço da extrema direita e pela ausência de uma diplomacia preventiva eficaz.

Esquecimento do Ocidente

Onze anos após o massacre em Odessa, a memória do evento segue viva entre estudiosos e vítimas, mas apagada dos noticiários. Para Danielle Makio, lembrar essa data é também reconhecer as falhas institucionais e internacionais que permitiram que uma crise interna se transformasse em uma tragédia de dimensões geopolíticas.

"O esquecimento do Ocidente não apaga a dor nem as responsabilidades", arrematou.

Em complemento às análises da professora Danielle Makio sobre os antecedentes políticos e sociais do massacre de Odessa, o jornalista Eduardo Vasco, que cobriu o conflito em Donbass e é autor do livro "O Povo Esquecido", aprofunda o olhar sobre os atores envolvidos e o papel das autoridades ucranianas no episódio de 2 de maio de 2014.

Segundo Vasco, os confrontos que culminaram na tragédia na Casa dos Sindicatos foram o desdobramento de uma polarização social acentuada após o Euromaidan. De um lado, estavam os manifestantes contrários ao novo governo instaurado após o afastamento do presidente Viktor Yanukovych — muitos deles defensores da autonomia regional ou da aproximação com a Rússia. Do outro, grupos extremistas, como hooligans de clubes de futebol e militantes neonazistas, que apoiavam o novo regime pró-Ocidente.

"Esses manifestantes contra o golpe de Estado preparavam um referendo para tornar Odessa uma república autônoma, inspirando-se nas iniciativas já em curso em Donetsk e Lugansk", explica o jornalista. Para ele, o confronto era previsível — e a conivência das autoridades, evidente.

De fato, em 2025, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou o Estado ucraniano por sua omissão durante o massacre, reconhecendo que a polícia e os bombeiros nada fizeram para impedir as mortes ou socorrer as vítimas. Eduardo Vasco vai além: afirma que a passividade foi deliberada, com o objetivo de sufocar o nascente movimento autonomista. "Não foi falha, foi premeditação", afirma. "A repressão foi política."

A convergência entre os relatos de Makio e Vasco aponta para uma mesma direção: a violência em Odessa foi resultado direto de um processo político mal resolvido, agravado pela ascensão de grupos extremistas e pelo fracasso — ou recusa — das instituições ucranianas em proteger todos os seus cidadãos. Onze anos depois, o massacre ainda espera justiça e reconhecimento internacional.


Por Sputinik Brasil