'Estaria provado que não havia armas químicas': Bustani lembra campanha dos EUA contra OPAQ e Iraque

Quando José Bustani assumiu a presidência da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), em 1997, ele não apenas se tornava o primeiro diretor-geral da organização, mas também se via diante de um imenso desafio diplomático.
Sua gestão à frente da OPAQ foi marcada por conquistas significativas, como o aumento de 87 para 145 membros da organização, e por disputas intensas no cenário geopolítico internacional, que culminaram em sua destituição.
Em entrevista exclusiva à Rádio Sputnik, Bustani relembra o delicado equilíbrio que teve que manter enquanto liderava a OPAQ, enfrentando pressões de grandes potências e desafios internos à organização. Para ele, o principal objetivo era garantir que a convenção da OPAQ fosse aplicada de forma igualitária, sem discriminação, ao contrário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que, segundo Bustani, favorecia as potências nucleares.
Um dos maiores desafios de sua gestão foi a aproximação com países árabes, especialmente o Iraque, que ainda estava sob severas sanções internacionais após a Guerra do Golfo. Bustani revela como, através de canais informais de diplomacia, ele trabalhou incansavelmente para convencer países árabes de que a adesão à OPAQ poderia trazer benefícios, como a eliminação das sanções, se provassem não possuir armas químicas.
"Foi uma grande vitória", conta, ao lembrar das cartas recebidas do Iraque e da Líbia confirmando a adesão à Convenção sobre Armas Químicas. Essa conquista, segundo Bustani, poderia abrir um caminho para que outros países árabes seguissem o exemplo, apesar das preocupações com os arsenais de Israel.
Porém, à medida que o cenário internacional se tornava mais tenso, especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, a situação da OPAQ começava a se complicar. Os Estados Unidos, sob o governo de George W. Bush, não apenas contestaram a eficácia de Bustani, mas também começaram a pressionar pela sua saída, principalmente após a constatação de que a OPAQ estava perto de comprovar que não havia armas químicas no Iraque.
Bustani lembra que, nesse período, a credibilidade de sua organização se tornou um ponto crucial: "Quando Saddam Hussein preferiu os inspetores da OPAQ aos da ONU, ficou claro que nossa isenção política era reconhecida internacionalmente", afirmou.
"No momento que eu fizesse as inspeções, estaria provado que não havia armas químicas no Iraque."
A campanha contra o embaixador culminou em uma conferência especial ilegal, onde a pressão dos Estados Unidos e dos países ocidentais resultou em sua destituição. O Brasil, seu país de origem, não ofereceu o apoio necessário para reverter a situação, deixando Bustani isolado na luta pela continuidade de seu mandato.
"Eu fui abandonado pelo meu governo. Eles não fizeram nada", lamenta.
A falta de apoio brasileiro foi um fator determinante na votação que o destituiu. "Eu tinha dois discursos prontos: um para perder a eleição e outro para pedir minha demissão com dignidade. Preferi partir com glória, porque sabia que, se eu ficasse, os Estados Unidos puniriam a organização", explica.
O afastamento do diplomata não apenas significou a perda de um líder comprometido com a equidade, mas também um enfraquecimento da própria OPAQ, que perdeu quase 40% do seu orçamento, principalmente com a retirada do financiamento americano.
Ele refletiu sobre o legado de sua gestão, com um misto de orgulho e amargor. Para ele, sua administração representou uma tentativa genuína de promover o multilateralismo e a justiça no cenário internacional, mesmo diante de forças poderosas que operam nos bastidores da política global. "Fizemos a OPAQ funcionar de forma eficaz, não discriminatória e com resultados rápidos. Se a organização perdeu força, não foi por falta de esforço", afirmou.
O ex-embaixador recordou episódios tensos enquanto ocupava o cargo na OPAQ, incluindo tentativas de espionagem e intimidação. "Eu comecei a perceber que coisas que eu comentava na intimidade do meu gabinete estavam vazando", disse, apontando a desconfiança crescente sobre a segurança no ambiente de trabalho.
Para descobrir a origem das informações vazadas, ele recorreu a um especialista brasileiro, ex-integrante do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que realizou uma varredura no local. O resultado foi alarmante: equipamentos de escuta foram encontrados atrás de sua mesa, o que confirmou suas suspeitas sobre vigilância interna.
Apesar de toda a pressão, o ex-embaixador destacou sua coragem em não ceder a ameaças externas, reforçando que, desde jovem, sempre foi movido por princípios e não por medo das autoridades. Para ele, a maior preocupação nunca foi a reação de governos ou figuras de poder, mas sim a de trair suas próprias convicções.

A independência e a postura firme do embaixador na OPAQ são comparadas por ele ao legado de Boutros Ghali, secretário-geral da ONU que, assim como ele, enfrentou a resistência de grandes potências devido à sua postura autônoma. "Foi o único secretário-geral que não teve um segundo mandato justamente por sua independência", afirmou, refletindo sobre as complexidades do sistema internacional. Ele reconhece que, ao assumir a OPAQ, o mundo se encontrava em um contexto unipolar, dominado pelos Estados Unidos, após o fim da Guerra Fria.
A crítica à hegemonia dos EUA se estende não apenas ao episódio de sua saída da OPAQ, mas também ao modelo econômico imposto pelos americanos. O ex-embaixador é claro ao afirmar que a única forma de "os EUA manterem seu controle global seria impor seu modelo econômico e político a outros países", muitas vezes sem levar em consideração as especificidades locais. Ele relembra como as instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, passaram a ser controladas pelos interesses norte-americanos, deixando de representar os países em desenvolvimento.