Coordenador da Funai rebate acusações de advogado que questionou processo de autodeclaração indígena em alagoas
A polêmica envolvendo o processo de autodeclaração indígena em Alagoas ganhou novo capítulo nesta quarta-feira (16). Após o advogado Adeilson Teixeira Bezerra (OAB/AL 4719) protocolar um ofício à presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, pedindo transparência e esclarecimentos sobre possíveis fraudes e manipulações políticas em reconhecimentos de comunidades indígenas no Estado, o coordenador regional da Funai, Cícero Albuquerque, reagiu publicamente e fez duras críticas ao jurista.
A reação da Funai: “O advogado que também é posseiro não conhece a Convenção 169 da OIT”
Ao ser questionado pela Tribuna do Sertão sobre o pedido encaminhado à presidência da Funai, o coordenador regional, Cícero Albuquerque, minimizou as acusações e afirmou que o órgão deve responder formalmente dentro dos prazos legais, mas criticou o conteúdo e o tom das declarações de Adeilson Bezerra.
“Estou certo de que a presidência da Funai responderá as questões que a ela foram direcionadas. O advogado, que segundo informações também é posseiro, está exercendo o seu direito cidadão de buscar informações. O que causa espanto é que ele não conheça a Convenção 169 da OIT sobre a autodeterminação dos povos. No lugar da presidenta, eu mandaria ele estudar. É feio um advogado fazer uma manifestação pública de tanta ignorância”, afirmou o coordenador.
A fala de Albuquerque expôs a tensão crescente entre o órgão indigenista e representantes de produtores rurais que têm questionado a condução de processos de reconhecimento e demarcação de terras em Palmeira dos Índios e outras regiões do Estado.
O pedido de Adeilson Bezerra
O advogado Adeilson Bezerra protocolou o Ofício nº 078/2025 no último dia 15 de outubro, pedindo à presidenta da Funai, Joenia Wapichana, informações detalhadas sobre o processo de autodeclaração indígena em Alagoas, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).
No documento, Bezerra afirma haver “indícios de fraude, favorecimento e manipulação política” em alguns reconhecimentos recentes e solicita:
• esclarecimentos sobre as etapas e critérios técnicos do processo de autodeclaração;
• relação atualizada de indígenas reconhecidos no Estado;
• dados sobre a evolução da população indígena em Palmeira dos Índios desde 2010; e
• lista demográfica da comunidade Xukuru-Kariri, com informações por gênero e data de nascimento.
O advogado sustenta que o objetivo é garantir transparência e legalidade no reconhecimento de comunidades indígenas e evitar que o processo seja utilizado com “fins políticos ou pessoais”.
Convenção 169 da OIT: o argumento da Funai
Em sua resposta, Cícero Albuquerque citou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 1989, que assegura aos povos indígenas e tribais o direito de autodeterminação e consulta prévia, livre e informada sobre qualquer decisão que os afete.
“O advogado deveria saber que a autodeclaração é um direito internacionalmente reconhecido. A Convenção 169 é clara ao garantir que a identidade indígena é definida pelos próprios povos, e não por terceiros”, reforçou o coordenador.
O tratado obriga os Estados signatários, como o Brasil, a consultar comunidades indígenas e quilombolas antes de medidas legislativas ou administrativas que possam impactá-las.
Embate entre visões e interpretações
Enquanto a Funai defende a autodeclaração como instrumento legítimo de reconhecimento e proteção da identidade indígena, Adeilson Bezerra sustenta que o processo, da forma como vem sendo conduzido, abre brechas para fraudes e favorecimentos, especialmente em municípios onde há disputas fundiárias e políticas locais.
Bezerra afirma que o pedido é “um ato em defesa do Estado Democrático de Direito, da moralidade e da transparência”. Já Albuquerque considera que o discurso do advogado reflete “visões ultrapassadas e preconceituosas” sobre os direitos dos povos originários.
Próximos passos
A presidência da Funai, em Brasília, deverá responder ao ofício dentro do prazo de 20 dias, conforme prevê a Lei de Acesso à Informação.
Enquanto isso, o episódio expõe um novo embate entre juristas e representantes indígenas em torno do tema da autodeclaração e da demarcação de terras, questão que tem gerado tensões políticas e sociais em diversas regiões do país, especialmente no Agreste e Sertão de Alagoas.