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Efeito bola de neve que pode colocar em risco o governo: por que Equador terá dívida recorde em 2026?

Publicado em 04/12/2025 às 02:13
© AP Photo / Dolores Ochoa

O Equador terá que pagar mais de US$ 12 bilhões em 2026 apenas para o serviço da dívida, um valor recorde em sua história. Especialistas consultados pela Sputnik indicaram que a dívida representa mais de um terço da receita projetada para o período e faz com que a economia do país "gire" em torno dessa questão.

No final de novembro, a Assembleia Nacional do Equador aprovou o Orçamento Geral Pro Forma do Estado para 2026, documento no qual o governo do presidente Daniel Noboa apresenta suas projeções orçamentárias para o próximo ano aos legisladores. No documento, o governo do país sul-americano projeta um orçamento de mais de US$ 46 bilhões para o ano e um déficit de pouco mais de US$ 5 bilhões.

No entanto, o número que mais alarma os especialistas é o peso que o serviço da dívida do Equador representará em 2026. De acordo com o orçamento pro forma, o Equador terá que pagar US$ 12,387 bilhões em 2026 somente em sua dívida, incluindo principal e juros.

Eva Martínez-Acosta, coordenadora da área de Justiça Econômica do Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), disse à Sputnik que o valor a ser pago em 2026 representa "um dos maiores níveis de serviço da dívida na história recente do Equador" e que, longe de ser "um número isolado", é "resultado de como o perfil de vencimento da dívida foi reconfigurado na última década".

"Diversos governos foram adiando obrigações, e hoje temos uma montanha de pagamentos se acumulando no curto prazo, em vez de um cronograma de pagamento da dívida distribuído e administrável."

Segundo Martínez-Acosta, embora o peso da dívida já existisse, o problema se agravou em 2020, ano da pandemia de COVID-19, quando o Equador realizou "uma reestruturação de títulos que proporcionou alívio temporário, mas concentrou pesados ​​pagamentos do principal a partir de 2026".

A isso, ressaltou a integrante do CDES, devem ser adicionados os cronogramas de pagamento ao Fundo Monetário Internacional (FMI) — ao qual o país deve mais de US$ 8,7 bilhões — e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Mas o problema reside não apenas no montante que o Equador terá que destinar ao serviço da dívida em 2026, mas também no peso que esses desembolsos terão no orçamento total do Estado equatoriano para o período.

"Esses US$ 12 bilhões equivalem a aproximadamente 41% da receita total e 35% das despesas orçadas", alertou Martínez-Acosta.

Assim, o governo Noboa terá que operar em 2026 com "orçamentos extremamente rígidos", o que significa que "antes mesmo de se discutir políticas públicas, uma parcela muito grande do orçamento já está pré-alocada para o pagamento da dívida e juros".

Tendência persiste desde a presidência de Lenín Moreno

Consultado pela Sputnik, o sociólogo equatoriano Andrés Chiriboga, especialista em dívida, forneceu outra estatística ilustrativa sobre o peso da dívida: "Enquanto o serviço da dívida é de US$ 12 bilhões, o investimento no próximo orçamento não chega nem a US$ 1 bilhão".

"Os níveis de endividamento do país são extremamente altos, e a política econômica gira em torno do serviço da dívida, em detrimento de gastos necessários com saúde, educação e outros investimentos."

Para Chiriboga, o crescimento da dívida é produto de "uma visão míope e de curto prazo" que prioriza o acúmulo de recursos para o serviço da dívida em vez de encontrar maneiras de reduzi-la.

Segundo o especialista, essa tendência começou com força durante o governo de Lenín Moreno (2017-2021) e se intensificou durante os governos de Guillermo Lasso (2021-2023) e o atual, de Noboa. "A dívida dobrou durante esses três governos", insistiu o analista.

Chiriboga questionou por que esses governos priorizam o acúmulo de recursos para cumprir os pagamentos da dívida por meio de "cortes fiscais e reduções na folha de pagamento do setor público, bem como a privatização de ativos e empresas públicas" — medidas que frequentemente constam das exigências dos programas do FMI, um dos principais credores do Equador.

Os cortes, observou o especialista, contrastam fortemente com as políticas dos governos equatorianos de "encobrir a saída de divisas estrangeiras pelas elites nacionais". Este não é um problema pequeno, considerando que, segundo dados do FMI, os ativos de equatorianos no exterior já representam quase 58% do Produto Interno Bruto (PIB) do país sul-americano. De acordo com Chiriboga, o processo de endividamento de Quito acaba financiando esses processos de fuga de capitais.

Martínez-Acosta concordou que os governos equatorianos têm se engajado em uma "gestão de dívida de curto prazo" que, por exemplo, "investiu agressivamente em títulos externos com juros altos" e acumulou um número excessivo de vencimentos de dívida até 2026, ao mesmo tempo que aumentou seus empréstimos junto a organizações multilaterais.

"O que o Equador precisa não é de mais desembolsos, mas de uma discussão sobre como romper esse ciclo de superendividamento sem permanecer subordinado à política fiscal e à lógica dos programas do FMI."

Caso contrário, Martínez-Acosta alertou que o maior risco reside no fato de que "a agenda de um futuro governo não será ditada pelo planejamento de direitos e desenvolvimento, mas sim pelo cronograma de pagamentos dos credores".

Nesse sentido, ela considerou que, sem uma mudança nessa tendência, o cenário para uma futura administração equatoriana "parece definitivo".


Por Sputinik Brasil