Vladimir Barros
É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Jornalista filiado ao Sindjornal/FENAJ, é membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É também membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeira dos Índios) e fundador da Rádio Cacique FM.A gentileza que sumiu das calçadas
As calçadas já foram território de encontros. Era nelas que os vizinhos se cumprimentavam, que as cadeiras de balanço saíam das salas para o sereno, que as crianças jogavam bola de gude e os velhos contavam histórias repetidas — aquelas que, mesmo sabidas de cor, a gente ouvia com respeito. Hoje, passo pelas mesmas ruas e percebo que as calçadas estão vazias. Não só de gente, mas de gentileza.
Ninguém mais olha nos olhos. Cumprimentar virou ato suspeito, dar bom-dia é quase um susto. As pessoas caminham com os fones nos ouvidos, os olhos no celular e a pressa nos passos. A vida urbana — mesmo nas cidades pequenas — virou uma maratona silenciosa, em que cada um corre sozinho tentando chegar a lugar nenhum. O espaço público, antes convivência, virou apenas passagem.
A gentileza, essa virtude doméstica e invisível, parece ter sido atropelada pela pressa, pela indiferença e pelo medo. Sumiu das calçadas, dos atendimentos, das filas e até das conversas familiares. Tornou-se quase um luxo — ou uma lembrança. O “por favor” deu lugar ao “resolve logo”, o “obrigado” ao “era obrigação”, o “com licença” ao empurrão disfarçado de descuido.
Talvez o problema não esteja só nas calçadas, mas dentro das casas. Perdemos a noção de que a boa convivência é também uma forma de política, talvez a mais nobre delas. O respeito pelo outro, o cuidado com o espaço coletivo, o simples ato de ouvir — tudo isso é o cimento da vida em sociedade. Quando esses gestos se desmancham, as ruas se tornam duras, como o concreto que as cobre.
Há um tipo de solidão nova pairando sobre as cidades. Não é a falta de companhia, mas a ausência de humanidade. A empatia desapareceu na mesma proporção em que aumentaram os muros, as câmeras e as desconfianças. É como se tivéssemos desaprendido a ser vizinhos, reduzidos a ilhas conectadas por Wi-Fi, mas separadas por medo e egoísmo.
Voltar a ser gentil talvez pareça pouco diante dos problemas do mundo — fome, violência, política suja. Mas é justamente o contrário. É a gentileza, aquela que mora nos gestos simples, que restaura a confiança e abre espaço para a esperança. Um sorriso no portão, uma ajuda no degrau, um “bom-dia” sincero: são pequenos reparos que fazem o asfalto da vida menos áspero.
Quem sabe um dia as calçadas voltem a ser o que eram — o chão compartilhado onde a vida acontece. E quem sabe, quando a gentileza reaparecer por ali, a cidade também reaprenda a respirar. Porque o coração de uma comunidade não bate nos prédios nem nos carros, mas nos passos lentos e atentos de quem ainda sabe enxergar o outro.