CONFLITO UCRANIANO

Análise: Moscou e Kiev avançam em questões humanitárias, mas Europa se arma para lutar contra Rússia

Publicado em 02/06/2025 às 18:31
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Delegações de Rússia e Ucrânia se reuniram nesta segunda-feira (2) em Istambul para a segunda rodada de negociações para tratar sobre o conflito ucraniano. À Sputnik Brasil, analistas comentaram os principais pontos do memorando apresentado por Moscou e os eventuais desdobramentos da conversa.

Os especialistas chamaram a atenção para um encontro marcado por questões humanitárias. Moscou prometeu entregar unilateralmente 6 mil corpos de soldados ucranianos para Kiev na próxima semana, após identificar todos os mortos. As partes também concordaram em realizar uma grande troca de prisioneiros, serão pelo menos mil pessoas. Além disso, prisioneiros doentes e gravemente feridos serão trocados na base de "todos por todos".

Danielle Makio, professora no curso de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do CIRE (Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético), comenta que trata-se de uma disposição mútua importante e mostra alinhamento em questões relevantes.

"Essas trocas avançam sobretudo no que diz respeito à questão humanitária da guerra e demonstra sem dúvida pelo menos uma mínima aproximação entre as posições russo-ucranianas", avalia.

A Rússia também propôs um cessar-fogo de dois a três dias, o que o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, classificou como uma possibilidade das tropas "recolherem os corpos de seus soldados".

"Está calor agora. Há risco de epidemias devido à situação sanitária na zona cinzenta. Por isso, queremos criar uma oportunidade, especialmente porque o Exército russo está avançando. Como resultado, há mais soldados em campo nessa zona cinzenta. Queremos criar condições para que os corpos dos mortos sejam recolhidos e entregues rapidamente para o sepultamento cristão", explicou o chefe da delegação russa.

Ricardo Cabral, analista internacional, editor do canal História Militar em Debate e um dos autores do livro "Guerra na Ucrânia: análises e perspectivas", avalia que como a Rússia deve avançar para essa zona cinzenta, esse tipo de proposta é comum em casos de conflitos.

Por outro lado os analistas apontam que há propostas russas que não devem ser aceitas pelo lado ucraniano, o que tende a prolongar o conflito.

Nesse meandro estão exigências como o reconhecimento legal internacional da reintegração à Rússia da Crimeia e da integração da República Popular de Donetsk (RPD), da República Popular de Lugansk (RPL) e das regiões de Zaporozhie e Kherson, além da adoção de neutralidade e recusa à adesão a alianças militares.

"As propostas que a Rússia traz nessa nova rodada de negociações, elas refletem justamente essa tentativa de consolidação de ganhos territoriais e de limitação da influência ocidental na região, que em contrapartida é bastante inegociável ou pelo menos é um tema muito sensível para Kiev", diz Makio.

Cabral também avalia que seja difícil neste momento que Kiev aceite o status de neutralidade e que aceite não se vincular à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Pressões por parte dos EUA e da Europa também podem ser esperadas sobre os pedidos russos nesse sentido, o que implica em dificuldades para o avanço das negociações russo-ucranianas, conforme pondera o analista.

"Não chegaremos a um tratado de paz, não acredito que a OTAN vá assumir que não vai querer se expandir. Os ocidentais já mostraram que o objetivo é cercar a Rússia. A Rússia já se ofereceu duas vezes para entrar na OTAN e as duas vezes foi recusada. Por quê? Porque é uma aliança que foi criada para lutar contra a União Soviética, e ela se manteve após o fim da Guerra Fria porque se considera a Rússia uma ameaça", argumentou.

"Não podemos aqui tergiversar sobre o que os europeus pensam nisso. Eles estão se armando, estão se preparando não para uma guerra contra o Burundi, contra a Samoa, estão se armando para lutar contra a Rússia. Então, a Rússia também deve fazer essas considerações estratégicas. [Sobre] Esse ponto eu acho que não haverá acordo, e por isso que eu até acho que não haverá tratado de paz."

Já em relação ao status da atual negociação, Cabral acredita que é mais uma conversa das muitas que ainda acontecerão. Como já explicou o analista, questões que envolvem os principais temas, como territórios e a neutralidade ucraniana, são os mais difíceis e estão longe de um acordo.

"Eu acho que a possibilidade desse acordo talvez não chegue nem a 50%, por causa da belicosidade que ainda está presente", acrescenta.


Por Sputinik Brasil