Em um dia banal de maio de 2095, o jornalista Carlos Eduardo, ou simplesmente Cadu Bastos, como era conhecido profissionalmente, partiu. A morte, que a todos visita, chegou para ele também. Um homem que vivia à mercê da rotina, reduzido a trabalhar, a ser um proletário nato. Não que isso seja indigno, mas torna-se cruel quando se é pai de família, quando se tem uma esposa, Luiza, e três filhos, João Paulo, André e Marina.
Sim, ele tinha uma família, mas será que se importava? Se lembrava de seus nomes? Difícil saber. O que se sabe é que a vida familiar era apenas mais uma peça em seu tabuleiro metódico de xadrez.
A obsessão pelo trabalho o consumia. Cadu era um jornalista renomado, com mais de 50 anos de carreira, mas a que custo? Seus livros, empilhados empoeirados na estante, representavam sonhos não realizados. As reportagens, amareladas em arquivos mofados, eram o registro de uma vida dedicada a contar histórias de outros, enquanto a sua própria história se perdia em meio à monotonia.
Os mapas, outrora ferramentas de exploração e descobertas, jaziam inertes, cobertos de poeira. Sim, Cadu era geógrafo de formação, mas a paixão pela geografia se rendeu à tirania do trabalho. A frustração o acompanhava como uma sombra, uma possessão que o corroía.
E Luiza? Uma mulher silenciada pela rotina, tão apagada quanto ele. O casamento, outrora idealizado, se resumia a uma mera formalidade e a uma música homônima de Tom Jobim. A vida a dois nunca floresceu, sufocada pelas obrigações e pela obsessão de Cadu.
Os filhos, João Paulo, André e Marina, frutos da metódica mente dele, carregavam o peso de uma criação artificial. Concebidos a cada quatro anos, como peças de um quebra-cabeça, eles cresceram sem a presença paterna, privados do afeto e do calor humano que tanto precisavam.
No final, o que sobrou? Nada. Uma lápide com um nome e um título: “o trabalhador das letras”. Mas as letras que ele tanto defendia, onde estão? A sintaxe, a semântica, a fonética, a fonologia, a ortografia e a morfologia? Tudo se perdeu no esquecimento.
Por mais que se dedicasse, por mais que trabalhasse, por mais que fosse quem era, ninguém se importa. E se ele tivesse notado isso antes, poderia ter vivido mais. Não em anos, mas em felicidade. Porque, no final das contas, todos ficaram infelizes: ele, Luiza, João Paulo, André e Marina. Que triste ironia!
A morte de Cadu, mais do que um fim, é um lembrete. Um lembrete de que a vida é passageira e que o trabalho, embora importante, não deve ser o único foco. É um lembrete de que a família e os amigos são preciosos e que devemos valorizá-los enquanto podemos. É um lembrete de que a felicidade não se encontra em títulos ou conquistas, mas sim nas pequenas coisas da vida, nos momentos simples e genuínos.