
Vladimir Barros
É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É membro da Academia Palmeirense de Letras e fundador da Rádio Cacique FM.Um capítulo histórico no STF

O Brasil escreveu uma página que não se apaga. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal formou maioria e condenou Jair Messias Bolsonaro por organização criminosa, reconhecendo que o ex-presidente liderou uma trama que afrontou a democracia brasileira. Os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin somaram-se aos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, em oposição à absolvição proposta por Luiz Fux, e definiram o rumo de um julgamento que será lembrado como divisor de águas.
Não é só um processo penal. É o ajuste de contas com uma trajetória marcada por crises sucessivas, por ataques às instituições e pela tentativa de corroer, dia após dia, os pilares da República. A condenação não nasceu do acaso, mas da sequência de atos que fizeram do governo Bolsonaro um laboratório de afronta ao Estado Democrático de Direito.
Na pandemia, vimos um presidente que zombou da morte. A cada frase — “E daí? Não sou coveiro”, “Todos vamos morrer um dia” — crescia o abismo entre o chefe de Estado e um povo em luto. Negou a ciência, sabotou vacinas, exaltou a cloroquina e atacou governadores e prefeitos que buscavam medidas de proteção. O saldo não é apenas estatístico: é humano, é ético, é histórico. Não à toa, denúncias chegaram à Corte Penal Internacional, acusando-o de crimes contra a humanidade.
No campo ambiental, o Brasil voltou a ser notícia pelo desmonte. Ao invés de proteger a Amazônia, Bolsonaro e seu governo se notabilizaram por fragilizar normas, perseguir cientistas e estimular o avanço da devastação. “Passar a boiada” virou lema, e com ele foram-se leis, portarias, regulações que custaram caro ao futuro do país. O negacionismo virou política de Estado.
Na política, a escalada contra as instituições foi calculada. A reunião com embaixadores em 18 de julho de 2022 não foi um devaneio — foi peça de um plano. Ali, Bolsonaro usou o palco do Palácio da Alvorada para disseminar desinformação, tentando internacionalizar a suspeita contra o sistema eleitoral. Foi o ensaio geral daquilo que culminaria no 8 de janeiro de 2023, quando seus seguidores, inflamados por mentiras, destruíram a sede dos Três Poderes.
E como todo personagem que não sabe encarar a derrota, Bolsonaro fugiu. Abandonou o país, preferiu a sombra da Flórida ao ato simbólico da transmissão da faixa. Dois dias depois, o vazio deixado foi preenchido pela barbárie. Brasília virou palco de um ataque golpista, disfarçado de “festa”, mas que foi, na verdade, o retrato da irresponsabilidade de um líder que brincou com o fogo e incendiou a República.
A condenação de hoje é mais que um carimbo judicial: é um aviso. A democracia brasileira, imperfeita e cheia de gargalos, mostra-se viva porque permite divergências no voto dos ministros, mas se fortalece ao afirmar que a maioria decide — e deve ser respeitada. Foi assim nas urnas, é assim no Supremo. Essa é a regra do jogo democrático: o governo e as sentenças não são ditados pela vontade de um, mas pela soberania da maioria.
A história que se escreveu hoje não termina aqui. Ainda haverá outros capítulos, novas investigações, mais poderosos a serem questionados. Mas este dia ficará marcado como o momento em que a democracia brasileira, depois de tanto apanhar, levantou-se para dizer: golpe não.
E que se registre: a liberdade pode ser barulhenta, o processo pode ser lento, mas a democracia resiste — porque, apesar das sombras, continua sendo o regime em que a verdade, cedo ou tarde, encontra o caminho da maioria.